Os cinco Skandas são: formas, sentidos, percepção, formação mental e consciência.
Já vimos sobre os sentidos e vamos ver as formas mais tarde, quando estudarmos o Prajnaparamita. Hoje vamos estudar a Percepção.
Nossos sentidos trazem informações limitadas sobre o ambiente ao nosso redor. Nossa mente então realiza a percepção dessas informações, selecionando apenas as partes que interessam, de acordo com nossos estados mentais, a nossa energia e a bolha de realidade ativa no momento.
Por exemplo, quando estamos dormindo, não enxergamos nada. Nossa audição também fica drasticamente reduzida e às vezes nem sentimos quando alguém nos toca. Da mesma forma, se estamos com baixa energia, mesmo conscientes, percebemos apenas uma ínfima fração daquilo que enxergamos, ouvimos etc. E se estamos totalmente focados em alguma coisa, mesmo que plenamente conscientes, não percebemos as diversas outras coisas que acontecem ao redor no mesmo instante. Isso já foi demonstrado em vídeos onde precisamos contar quantas vezes uma pessoa pula, e não percebemos um ator vestido de elefante passando por trás dessa pessoa. Em uma conversa numa mesa de bar, com várias pessoas conversando ao mesmo tempo, geralmente só conseguimos prestar atenção em um diálogo e não conseguimos prestar atenção nos demais assuntos que estão sendo falados. Se estamos andando na rua, olhando para um celular, a chance de sofrermos um acidente por desatenção é enorme, e é por isso que é proibido dirigir e falar ao celular ao mesmo tempo. Só conseguimos prestar atenção em uma coisa de cada vez.
Nossa mente precisa focar em um assunto de cada vez e, para isso, precisa descartar todo o resto. Porém, nossa mente não funciona exatamente como um computador. Ela é muito mais complexa do que isso. Na verdade, é a mente que cria as realidades e molda as nossas percepções, e essa criação vem de um vazio luminoso muito mais amplo do que a mente.
Partimos do vazio luminoso e criamos uma identidade, uma identificação. Nesse momento, o vazio luminoso desaparece, dando lugar à identidade. Isso acontece muito rapidamente e não nos damos conta. Vemos uma flor e gostamos dela, achamos ela bonita, nos APEGAMOS a ela. É nesse momento que criamos uma identidade: o cara que gosta daquela flor. No momento seguinte, procuramos cuidar da flor, dando água a ela e falando sobre ela para as outras pessoas. E logo em seguida, queremos proteger aquela flor, atacando todo e qualquer parasita que chegar perto dela e impedindo que alguém a colha. Assim, sem perceber, criamos uma realidade que antes não existia. Essa realidade, essa identidade, brotou de um vazio luminoso que está disponível o tempo todo, mas não conseguimos mais ver o vazio. Só conseguimos ver a flor e a nossa identidade como aquele que gosta daquela flor, e isso é tão real que parece que é tudo o que temos. Descartamos todo o resto. É assim que a nossa mente filtra o que percebe e o que é descartado durante a percepção. A identidade é simbolificada pelo javali. O fato de querer nutrir e falar para todo mundo é o galo. A questão de querer proteger e afastar tudo o que puder ser uma ameaça é a cobra. O javali, o galo e a cobra criam, juntos, uma bolha de realidade. Um fragmento da realidade que só existe em nossa mente e que foi criada pela mente direto do vazio luminoso na qual ela opera.
Temos infinitas bolhas de realidade e trocamos de bolhas o tempo todo. Sempre vai ter somente uma no comando, mas ela fica pouco tempo e logo é substituída por outra. Algumas bolhas são mais sólidas: temos uma família, uma profissão, uma religião. Temos uma casa, um carro. São bolhas mais densas e difíceis de desapegar. A questão é que a bolha vigente na mente, naquele instante, define e projeta sobre as informações que recebemos através dos cinco sentidos aquilo que chamamos de percepção.
A percepção é uma interpretação da realidade feita pela mente, baseada na bolha de realidade que estiver vigente no momento e no estado mental em que ela estiver operando. Essa interpretação é limitada, frequentemente incompleta ou equivocada e cria realidades ilusórias e fantasiosas que acreditamos firmemente serem reais. O tempo todo, a cada instante. E não vemos todo o resto. Essas bolhas permanecem ativas somente enquanto houver energia para mantê-las.
Você está fazendo seu trabalho, normalmente, operando na bolha do profissional que é. De repente, escuta uma notícia de que seu time favorito perdeu um jogo. Nesse momento, você deixa a bolha do profissional e assume a bolha do torcedor e fica furioso com isso. A raiva é a energia que foi canalizada para a cobra da bolha do torcedor. Mas logo precisa voltar ao trabalho e assume a bolha do profissional novamente, e a energia é direcionada de volta para a bolha do profissional. Isso pode ser muito rápido, coisa de segundos apenas. Talvez você nem perceba que trocou de identidade tão rápido, mas no momento em que você estava ouvindo a notícia (audição), sua percepção focou apenas na notícia e você não conseguiu perceber mais aquilo que estava fazendo como profissional. É assim que a nossa percepção funciona.
Portanto, nossos sentidos já trazem apenas uma parte da realidade ao nosso redor, e a nossa mente ainda reduz essa informação apenas àquilo que a interessa no momento. Vivemos no mundo aproveitando apenas cerca de 3% (ou menos) de tudo o que nos rodeia. Vivemos em bolhas de realidade, geralmente bem pequenas, limitadas e frágeis. Somos quase zumbis na Terra, sem desfrutar das imensas maravilhas que acontecem incessantemente, justamente porque nossa mente só percebe aquilo que interessa à bolha de realidade vigente no momento.
Ainda há a questão da retroalimentação da própria mente, que cria cenários que acreditamos ser reais, mas são pura criação da mente. Isso acontece nos sonhos e nas alucinações: muitas vezes os sonhos são tão reais que não percebemos que estamos sonhando. Estamos enxergando, ouvindo, sentindo, mas na verdade não estamos lá. Estamos dormindo placidamente na cama. Nossa mente possui algo parecido com um retroprojetor interno e, durante os sonhos, assistimos essa tela como se fosse um filme, incrivelmente real. Mesmo conscientes, às vezes entramos em devaneios. Nossa mente projeta um filme, nossa percepção está focada nele e, por vezes, nem percebemos a realidade ao nosso redor. Isso acontece com frequência quando estamos viajando de ônibus, por exemplo. Ficamos lembrando de cenas passadas, ou projetando realidades futuras. Nossa percepção está lá, nessa tela mental, e não aqui no mundo real.
Por fim, como operamos pulando de uma bolha de realidade para outra o tempo todo, não conseguimos perceber mais o vazio luminoso que está por trás disso tudo. Como neste texto: entre uma letra e outra, entre uma linha e outra, existe um espaço. Tem muito mais espaço do que letras, mas não percebemos o espaço. Apenas as letras. A percepção é mais ou menos assim.

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