sábado, 7 de dezembro de 2013

Bolhas de Realidade

O budismo faz uso de vários métodos e alegorias para apontar o caminho da iluminação. São ferramentas que podem funcionar bem para algumas pessoas, e para outras nem tanto. Cabe a nós escolhermos quais ferramentas funcionam melhor para nós mesmos. Entre esses métodos estão a meditação, o kinhin, as prostrações, os mantras, as mandalas, o estudo dos sutras... [etc] e das bolhas de realidade.
Grosso modo, a realidade é uma só. Porém, cada pessoa vai construindo bolhas de realidade conforme suas experiências e hábitos, como cascas de uma cebola. Padrões de pensamento, estímulo e resposta. A psicologia estuda profundamente isso, podendo usar outros nomes, com diversas abordagens diferentes.
Acredite, é você quem cria a realidade em que vive. Ou aquilo que acha que é a realidade.
As bolhas de realidade se interligam, como uma intrincada rede. Eu vou um pouco além da teoria e vou tentar explicar com um insight que tive outro dia:
As bolhas funcionam em diversos níveis energéticos distintos, e podem ser mais sólidas ou mais etéreas, mais compactas ou maiores, presas como rocha ou livres e flutuantes. E cada um de nós escolhe - a cada momento - como deve ser sua própria bolha de realidade.
Imagine uma adolescente que mora em uma favela. Seu pai é bandido, sua mãe prostituta. Tem dois irmãos mortos pela polícia e um terceiro é traficante. Para salvar a vida de seu irmão já teve de se prostituir também. Não tem dinheiro para sair desta vida, não tem esperanças, vive com medo em um mundo onde todos brigam, se matam, fogem, usam drogas, só pensam em sobreviver mais um dia. Não há qualquer esperança de poder sair desta realidade, não há luz no fim do túnel. Se ela fugir, não poderá ir longe pois não tem dinheiro. Irão encontrá-la e poderão até matá-la. Seus namorados a traem e a usam para transportar e vender drogas. Ela não vê qualquer possibilidade de sair desta bolha de realidade e acha que a vida é somente isso mesmo, viver o dia de hoje, sem sequer sonhar com o amanhã.
Esta seria uma bolha de realidade tão sólida, tão pequena, tão intrínseca, que seria comparável a um átomo de algum metal pesado incrustado em uma rocha, uma molécula extremamente densa e sem movimentos.
Agora imagine um eremita yogue em uma choupana em alguma montanha. É completamente livre para fazer ou deixar de fazer o que quiser. Ninguém lhe oportuna, e mesmo quando está em contato com outras pessoas, nada o perturba. Ele sente a maravilha da vida a cada momento, a cada respiração. Está completamente uno com o universo, com a natureza. Tem apenas uma tigela e um roupão e isso lhe basta. Após ficar algum tempo em uma choupana, simplesmente deixa-a livre para outro eremita e segue sua viagem para qualquer outro destino. Alimenta-se do que a natureza lhe oferece, bebe água pura, respira ar puro e os problemas da humanidade não lhe afligem. Pelo contrário, está sempre solícito a ajudar a quem precisar, sem nada pedir em troca.
Sua bolha de realidade é tão etérea, tão grande e flutuante que a qualquer momento parece que irá se romper - o que seria alcançar o Nirvana, a iluminação total.
Todos nós construímos bolhas de realidade nas quais operam os EGOS que temos: a bolha 'funcionário exemplar extremamente dedicado, estressado e sem tempo para nada', 'mãe amorosa que vive para cuidar da casa, das roupas, dos afazeres domésticos e não tem tempo para si mesma', 'cara que gosta de música pesada, se veste de preto e se entucha de rebites', 'homem falido que não tem dinheiro para pagar as contas e vive com o nome no SPC, sempre correndo atrás do próprio rabo', e por aí afora.
Cada conjunto de egos cria uma bolha de realidade própria. Nós oscilamos entre uma bolha e outra, às vezes várias vezes por dia. Porém, A FREQUÊNCIA dessas bolhas somos nós que escolhemos.
A qualquer momento, aquela moça da favela pode decidir simplesmente ir embora dali, ir para bem longe, começar uma nova vida, trabalhar, ganhar seu dinheiro, casar com um cara bacana e ser muito feliz. Ela não vai porque tem medo que matem seu irmão, que sua mãe enlouqueça, que seu pai vá à caça dela, etc, etc. Ela acaba não vivendo a sua própria vida, pois está ocupada demais fazendo aquilo que os outros querem que ela faça, com medo do que pode acontecer se ela não o fizer. Isso é a mais pura insanidade.
As bolhas operam em frequências distintas. Quanto mais alta a frequência, maiores, mais finas e livres são as bolhas. Quanto mais baixa, menores, mais densas e sólidas. Embaixo fica a rocha, no meio a terra, a água e em cima, o ar. Simples assim, como a natureza.
E você? Em qual frequência estão suas bolhas de realidade? Você sabe que pode mudar a frequência quando desejar? Algumas pessoas não irão gostar disso, mas, sinceramente, o que é mais importante? Agradar as outras pessoas ou tratar de ser feliz, vivendo como você quer viver e sendo quem você realmente é?
Nos níveis mais altos passamos a perceber que tudo isso faz parte de uma coisa só. As bolhas de realidade são ilusões da nossa mente. Elas não existem. São meras associações mentais. Achamos que são a realidade e acreditamos firmemente nisso, até percebermos que não era bem assim, e que sempre foi muito fácil sair dessas bolhas, bastava apenas mudar a nossa frequência e tomar a decisão de sair. Quando saímos, parece que na realidade elas nunca existiram. E na verdade nunca existiram mesmo, pois somos todos UM, uma mesma vida, uma mesma vibração, apenas manifestações diferentes de uma mesma luz. Nada além disso.
Quando percebemos essa grande realidade (o que acontece em um kenshô ou em um satori), passamos a desejar profundamente libertar todos os outros seres humanos desta grande prisão coletiva e insana que são as bolhas de realidade, para que todos possam também viver na verdadeira realidade e compreender que todos somos parte de um mesmo todo, absolutamente maravilhoso e pleno de felicidade.




domingo, 3 de novembro de 2013

Tomo refúgio no Buda

O primeiro dos 16 preceitos da ordenação budista leiga é TOMAR REFÚGIO NO BUDA. Mas o que isso quer dizer?

Em nossa vida normal, vivemos na roda do Samsara, em altos e baixos, no passado e no futuro, sofrendo por apego aos nossos desejos, nossas aversões e nossas ilusões. Sofremos o tempo todo. Momentos eufóricos de alegria são logo substituídos por vazios, tristezas e depressões. Os ventos da vida nos levam de um extremo a outro, incessantemente. E sofremos.

Shakyamuni Buda explicou as quatro nobres verdades: O sofrimento existe. Ele tem uma causa. Se tem uma causa, tem um fim. E existe um caminho para fazer cessar todo o sofrimento. Então, ele explica este caminho, o Nobre Caminho Óctuplo. Esta é a base de todas as tradições e escolas budistas de verdade. Se alguma seita se autointitular 'budista' e não fizer menção a estas questões básicas, abandone-a imediatamente e mantenha-se bem longe dela, pois ela não é uma escola séria, não pode ser considerada budista pois não segue os ensinamentos básicos de Shakyamuni Buda.

Então, vimo-nos enredados pela teia do Samsara, oscilando na dualidade do sofrimento. Para sair deste ciclo infindável, precisamos nos refugiar em alguma coisa. O Budismo ensina a tomar refúgio no Buda, no Dharma e na Sangha. A Sangha é a comunidade budista, os praticantes, as pessoas iguais a você que também têm o mesmo objetivo. O Dharma é o conhecimento universal, que independe de religiões. É a Verdade, a Lei. Quem conhece perfeitamente o Dharma está totalmente livre do Samsara. "Conhecei a Verdade, e a Verdade vos libertará". A Verdade da qual Jesus fala é o Dharma.

E quem é o Buda, a quem devemos tomar refúgio? É o próprio Buda histórico, Sidarta Gautama, o Buda Shakyamuni, ou é nossa Natureza Búdica?

É certo que o correto seria tomarmos refúgio diretamente em nossa Natureza Búdica. Porém, como tomar refúgio em algo que ainda não conhecemos? É muito fácil atribuir uma certa "fantasia" e gerar uma personalização, uma entidade, deidade ou qualquer outra ilusão criada pela nossa mente em torno dessa tal Natureza Búdica. E isso seria uma armadilha fatal: criaríamos uma FÉ em uma construção mental ilusória, que portanto jamais levaria ao despertar.

Por isso, no início devemos tomar refúgio no Buda Shakyamuni, o Buda histórico, o Maior dos Mestres, pois ele nos aponta o caminho correto.  Seus ensinamentos servem de alicerce e baliza para nossas práticas. No começo, o refúgio é tomado com certa cautela, de uma forma duvidosa, e é bom que seja assim. Precisamos ser críticos e não aceitar os ensinamentos como verdades absolutas, mesmo que sejam do próprio Shakyamuni Buda. Devemos praticar estes ensinamentos, e aos poucos, vamos percebendo que eles realmente funcionam e que realmente apontam para o caminho correto. Então nosso refúgio se torna mais forte. E cada vez mais forte. Até que consigamos ter uma experiência direta da Natureza Búdica (kensho) e, mais tarde, despertar completamente esta Natureza (satori).

Até então, devemos tomar refúgio no Buda Shakyamuni e em seus ensinamentos passados de mente para mente, como a chama de uma vela passada de mão em mão. Na Natureza Búdica estão todos os Budas e Bodisatvas, estão todos os mestres, todos os seres, toda a humanidade, toda a vida existente desde épocas imemoriais, tudo isso aqui e agora. Por isso, tomar refúgio no Buda é tomar refúgio em Dogen, em Bodhidarma, em Ananda. Todos eles estão lá, é a mesma natureza, a mesma energia, o mesmo conhecimento, a mesma mente.

Mas tomar refúgio no Buda não garante, de forma alguma, que o praticante irá alcançar o Despertar. Isso depende unica e exclusivamente de nossa prática: muita meditação, muito estudo, muita reflexão, muita renúncia. Tomar refúgio no Buda quer dizer que aceitamos o Buda como nosso mestre (incluindo todos os mestres subsequentes até os dias atuais). Significa que aceitamos seguir os ensinamentos de Buda, pois eles apontam o caminho a ser seguido, caminho já percorrido por mais de 2500 anos por tantos e tantos mestres, que lograram o despertar muito antes de nós e podem nos indicar alguns macetes para o caminho.

De acordo com nossa prática, chegará o dia que conheceremos a Natureza Búdica por experiência própria (kensho). E com muito mais prática ainda, chegará o dia que a Natureza Búdica se manifestará completamente, ou seja, haverá o despertar, a iluminação (satori).

Quando entramos em contato com nossa Natureza Búdica, quando ela se manifesta, cessam completamente todos os ventos dos desejos, aversões e ilusões. Nirvana quer dizer 'não-ventos'. Enquanto estivermos em contato com nossa Natureza ou quando ela estiver se manifestando, não haverá um EU, não haverá Samsara, não haverá desejos, aversões, ilusões, não haverá sofrimento. A mente estará completamente dominada. Estamos livres (melhor dizendo, refugiados) dos sofrimentos. Isso sim, é TOMAR REFÚGIO NO BUDA. A Natureza Búdica nos refugia dos sofrimentos, pois quando ela se manifesta, o ego desaparece junto com todos os venenos e sofrimentos.

Quando a Natureza Búdica se manifesta completamente, quando há o Despertar, não há mais necessidade de se refugiar nos ensinamentos de Shakyamuni Buda. O refúgio passa a ser direto na Natureza Búdica. Não há mais sofrimento, pois não há mais apegos. Não devemos ter apego sequer aos ensinamentos de Buda. Afinal, Buda, Dharma e Sangha tornam-se um só. O objetivo foi alcançado. O barco deve ser abandonado. Com gratidão, mas abandonado, pois há uma grande trilha em terra firme a ser percorrida pela frente.

sábado, 2 de novembro de 2013

Meditação na Paz

Esta prática independe completamente de qualquer opção religiosa e deve ser realizada com o auxílio de um mala de mantras, ou mesmo com um rosário cristão de 54 contas, rodado duas vezes. Você pode adaptar esta prática de acordo com o seu mala ou rosário. Vamos supor que seja um japamala padrão de 108 contas e 6 segmentos.

Para cada um dos seis segmentos do mala, pensaremos em um nível de paz:

1) A paz para mim mesmo. Tudo começa dentro de mim. Eu devo estar primeiro em paz, para poder levar aos outros a minha paz. A paz deve estar em meus pensamentos, em minhas palavras, em minhas ações, em meus sentimentos. Só devo passar para o segundo segmento do mala após minha mente estar completamente em paz.

2) A paz para minha família. Para cada conta do mala, devo pensar em um familiar e desejar profundamente que ele esteja na mais absoluta paz. Por final, devo desejar a completa paz para toda minha família.

3) A paz em meu ambiente de trabalho. Para cada conta do mala, devo pensar em um colega de trabalho ou um departamento da empresa. Posso pensar em pessoas específicas e lhe desejar a mais completa paz. Devo pensar na paz para toda a empresa, em seus relacionamentos com os clientes e fornecedores. Devo desejar a paz para os clientes e fornecedores também. A paz para todas as pessoas que direta ou indiretamente se envolvem com a empresa onde trabalho.

4) A paz para meus amigos. Para cada conta do segmento do mala, devo pensar em um amigo ou um grupo de amigos, conhecidos ou grupos sociais que eu faça parte (faculdade, clube, vizinhos, etc) e desejar que encontrem a paz, que estejam em paz, que vivam a paz, que também distribuam a paz.

5) A paz para minha cidade, estado, país e todo o mundo. Quando toda a cidade, todo o estado e todo o país estão em paz, assim também estarão em paz os meus amigos, minha empresa, meus familiares. Consequentemente, eu também estarei em paz. Que a paz reine em toda a humanidade, pois tudo está inter-relacionado, a paz de um depende da paz de todos os outros. Somos todos uma mesma humanidade, independente de fronteiras, idiomas ou costumes. Se todas as pessoas estiverem em paz, o mundo será maravilhoso e todas as pessoas serão felizes.

6) A paz para todos os seres. Paz para os animais, para as plantas, para todo o tipo de vida existente na Terra e quem sabe em todo o Universo. Usando uma oração da Gnose: "Que todos os seres sejam felizes. Que todos os seres sejam ditosos (tenham saúde). Que todos os seres estejam em paz".

Desta forma, conclui-se a oração desejando a paz para todo o Universo, para todos os seres. Se todos estiverem em paz, eu também vou estar. Se eu estiver em paz, eu posso levar a paz a todas as pessoas e serei a diferença que eu quero encontrar no mundo. Serei uma vela, levando luz onde há escuridão, e acendendo outras velas. Que eu me beneficie e que todos os seres também sejam beneficiados.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Perdão

Meu pai está no hospital, estágio terminal de pneumonia. Está desenganado pelos médicos e estamos apenas cuidando para que não sofra. Em alguns dias não estará mais entre nós.
É um momento de pesar, de espera. Quase uma vigília. É triste.
Quem conhece bem a história da nossa família sabe perfeitamente que meu pai sempre foi uma pessoa muito difícil de lidar. Não posso dizer que ele tenha me deixado bons exemplos de vida. Meus irmãos certamente pensam a mesma coisa.
Porém, eu compreendi que todo o sofrimento que ele passou nos últimos 26 anos (desde que teve um derrame cerebral por excesso de nervosismo, café e cigarro), todo esse sofrimento já foi mais do que suficiente para pagar todo o karma que ele juntou durante sua vida. Não há mais nada a pagar.
Meu pai trouxe junto a si, durante toda a sua vida, um peso familiar muito grande devido à morte precoce de meu avô Julio. Esse outro karma também já se estendeu demais, já causou sofrimentos demais, já perdeu sua força e também já cessou.
Por isso, peço a todos que tenham porventura conhecido meu pai ou meu avô, que simplesmente OS PERDOEM. Não há mais nada a reclamar, nenhum motivo pelo qual ter qualquer sentimento por eles a não ser PERDÃO e COMPAIXÃO.
Eu perdôo especialmente o meu pai, porque agora, há apenas poucos dias de sua passagem, é que fui compreender que ele tinha uma doença que simplesmente o impedia de saber o que é o amor. Ele não teve culpa nenhuma, ele era apenas uma pessoa doente. Seu cérebro é que tinha uma pequena disfunção, desde que nasceu. Ele sofria de psicopatia, uma anomalia no cerebelo, uma doença que não tem cura.
Eu perdôo o meu avô, pois ele não tinha a intenção de criar uma onda cármica tão grande. Ele era uma pessoa de muito bom coração e que não suportou as pressões da vida.
Que em suas próximas manifestações eles possam vir totalmente saudáveis, de forma mais evoluída, mais estruturada, mais humana, que não causem sofrimento e que estejam mais próximos da luz.
Agora, totalmente perdoados, a única coisa que desejo é que estejam em paz.

domingo, 22 de setembro de 2013

Somos como um rio

Nós somos como um rio.
Nascemos tímidos, puros, de uma simplicidade ímpar, e vamos aos poucos seguindo nossos cursos, reunindo experiências, sentimentos, emoções.
Neste trajeto, o ambiente pode nos poluir e nos tornamos impuros. Ou não.
Por vezes, nossa capacidade de eliminar o que é impuro mantém nossa pureza original. E não nos contaminamos.
Nossas águas podem alimentar inúmeros seres. Somos responsáveis pelo que transmitimos a eles.
Outros seres podem nadar em nossas águas e brincar conosco. Podemos levar alegria a eles.
Por vezes, nossa personalidade pode se inflar a ponto de extravasarmos, como uma inundação. Isso pode beneficiar, como os agricultores que esperam a lama fértil para o plantio, mas também pode prejudicar muito, causando destruição.
Outras vezes, podemos nos tornar áridos e inférteis, causando dores e desolação, como um rio seco e sem vida.
Podemos juntar nossas águas com outro rio e juntos seguirmos alegremente pelo resto do trajeto.
Mais à frente, essas águas podem novamente se separar, cada rio seguindo seu próprio curso. Isso faz parte da natureza.
Podemos ser o lar para o desenvolvimento de outras vidas, como peixes, répteis, algas, pássaros.
E, tal como um rio, um dia chegaremos ao final, levando conosco toda a história do trajeto. Voltaremos a ser um com o vasto oceano da vida nesta Terra. Nada se perde. E um novo ciclo recomeça.
Agora cabe uma reflexão:
Será que estamos carregando conosco todas as dores, sofrimentos, rancores, desilusões? Pra que?
Que tipo de contribuição estamos deixando para os seres que nos acompanham, ou para quem fica, ou para quem simplesmente cruza nosso caminho?
Estamos os alimentando e divertindo, ou destruindo suas vidas, suas casas e propriedades?
Deixamo-nos contaminar pelo meio ambiente ou conseguimos nos manter puros e cristalinos?
E ao chegar ao vasto mar, o que deixaremos para trás? Sorrisos, agradecimentos, ou apenas dor?
Que tipo de rio somos?



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Apenas Sentar

Uma das instruções para a prática da meditação é "apenas sentar".
Parece tão simples, tão fácil. Então, praticar meditação é só isso? Só sentar?
Sim.
Mas então, qual a dificuldade?
É extremamente difícil você "apenas sentar". Tente. Em sua mente, um milhão de pensamentos irão passar em uma corrente, um atrás do outro. Coisas a fazer, contas a pagar, coisas que deveriam ter sido feitas, lembranças... a mente fica pulando do passado para o futuro o tempo todo, e não se fixa no presente.
Conforme os pensamentos vêm à mente, devemos abandoná-los, deixá-los ir embora sem qualquer apego.
Em determinado momento, a mente se cansa e então conseguimos "apenas sentar", por breves segundos.
Mas se sentamos com um objetivo, nem que seja "alcançar o Samadhi", não há êxito. O correto é nada desejar. Simplesmente sentar.
Nossa mente está treinada para funcionar 24 horas por dia. Quando repentinamente paramos, ela tenta de toda forma nos tirar deste estado contemplativo, ela quer agito, quer barulho, quer ação.
Mas quem quer agito, barulho, ação? O ego. Cada pensamento que vem à mente é um ego querendo respirar. Se "apenas sentamos", não estamos alimentando os egos e, aos poucos, lentamente, eles vão perdendo força, até desaparecerem completamente. É claro que os egos não querem morrer, por isso a mente vai tentar de toda forma sair do estado contemplativo.
Por isso, é necessário muita prática e muito esforço para conseguirmos "apenas sentar".
Mas quando conseguimos ficar em estado meditativo por uma grande sucessão de pequenos períodos, então abre-se a possibilidade de termos insights e experiências diretas da iluminação (kenshôs). Aí, o mundo muda e a iluminação torna-se possível.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Samadhi

Há alguns dias perguntei para uma praticante amiga minha sobre suas experiências com meditação, ou seja, como estava seu Samadhi. Ela me contou que nunca teve um Samadhi.

No momento preferi silenciar. Mas eu deveria ter dito: "com certeza absoluta, já teve sim".

O Samadhi é o estado natural da mente. É como víamos o mundo até perto dos quatro ou cinco anos de idade. Apenas sentíamos, percebíamos as coisas, sem rótulos, sem julgamentos. Mente receptiva. Apenas estar aqui e agora, com toda a plenitude e consciência. Nada mágico, apenas natural, estávamos simplesmente aprendendo.

Só depois dos quatro ou cinco anos é que passamos a pensar em palavras e construir personalidades para cada desejo, para cada apego, ou seja, passamos a criar nossos egos, camada após camada. Quando nos tornamos "adultos", estamos totalmente obscurecido debaixo de centenas ou milhares de camadas de egos, como cascas de uma cebola. Quanto mais apego a elas, mais sofremos.

Quando iniciamos a prática da meditação, pode demorar alguns meses ou até alguns anos, mas logo sentiremos aquela sensação de paz e tranquilidade profundas que antecedem o Samadhi e, repentinamente, temos a experiência do Samadhi. Nesse momento lembramos imediatamente de nossa infância, de como pensávamos quando éramos crianças. Percebemos então que já tivemos esta experiência antes.

Após alguns anos de prática, nos tornamos "proprietários" do Samadhi. Podemos entrar neste estado natural da mente quando bem entendermos, conscientemente, a qualquer momento: trabalhando, dirigindo, comendo, lavando a louça, conversando com as pessoas... tanto faz se você está no meio de um trânsito infernal ou às margens de uma cachoeira no meio do mato, o Samadhi é o mesmo. O centro está dentro de você, e não fora.