domingo, 3 de novembro de 2013

Tomo refúgio no Buda

O primeiro dos 16 preceitos da ordenação budista leiga é TOMAR REFÚGIO NO BUDA. Mas o que isso quer dizer?

Em nossa vida normal, vivemos na roda do Samsara, em altos e baixos, no passado e no futuro, sofrendo por apego aos nossos desejos, nossas aversões e nossas ilusões. Sofremos o tempo todo. Momentos eufóricos de alegria são logo substituídos por vazios, tristezas e depressões. Os ventos da vida nos levam de um extremo a outro, incessantemente. E sofremos.

Shakyamuni Buda explicou as quatro nobres verdades: O sofrimento existe. Ele tem uma causa. Se tem uma causa, tem um fim. E existe um caminho para fazer cessar todo o sofrimento. Então, ele explica este caminho, o Nobre Caminho Óctuplo. Esta é a base de todas as tradições e escolas budistas de verdade. Se alguma seita se autointitular 'budista' e não fizer menção a estas questões básicas, abandone-a imediatamente e mantenha-se bem longe dela, pois ela não é uma escola séria, não pode ser considerada budista pois não segue os ensinamentos básicos de Shakyamuni Buda.

Então, vimo-nos enredados pela teia do Samsara, oscilando na dualidade do sofrimento. Para sair deste ciclo infindável, precisamos nos refugiar em alguma coisa. O Budismo ensina a tomar refúgio no Buda, no Dharma e na Sangha. A Sangha é a comunidade budista, os praticantes, as pessoas iguais a você que também têm o mesmo objetivo. O Dharma é o conhecimento universal, que independe de religiões. É a Verdade, a Lei. Quem conhece perfeitamente o Dharma está totalmente livre do Samsara. "Conhecei a Verdade, e a Verdade vos libertará". A Verdade da qual Jesus fala é o Dharma.

E quem é o Buda, a quem devemos tomar refúgio? É o próprio Buda histórico, Sidarta Gautama, o Buda Shakyamuni, ou é nossa Natureza Búdica?

É certo que o correto seria tomarmos refúgio diretamente em nossa Natureza Búdica. Porém, como tomar refúgio em algo que ainda não conhecemos? É muito fácil atribuir uma certa "fantasia" e gerar uma personalização, uma entidade, deidade ou qualquer outra ilusão criada pela nossa mente em torno dessa tal Natureza Búdica. E isso seria uma armadilha fatal: criaríamos uma FÉ em uma construção mental ilusória, que portanto jamais levaria ao despertar.

Por isso, no início devemos tomar refúgio no Buda Shakyamuni, o Buda histórico, o Maior dos Mestres, pois ele nos aponta o caminho correto.  Seus ensinamentos servem de alicerce e baliza para nossas práticas. No começo, o refúgio é tomado com certa cautela, de uma forma duvidosa, e é bom que seja assim. Precisamos ser críticos e não aceitar os ensinamentos como verdades absolutas, mesmo que sejam do próprio Shakyamuni Buda. Devemos praticar estes ensinamentos, e aos poucos, vamos percebendo que eles realmente funcionam e que realmente apontam para o caminho correto. Então nosso refúgio se torna mais forte. E cada vez mais forte. Até que consigamos ter uma experiência direta da Natureza Búdica (kensho) e, mais tarde, despertar completamente esta Natureza (satori).

Até então, devemos tomar refúgio no Buda Shakyamuni e em seus ensinamentos passados de mente para mente, como a chama de uma vela passada de mão em mão. Na Natureza Búdica estão todos os Budas e Bodisatvas, estão todos os mestres, todos os seres, toda a humanidade, toda a vida existente desde épocas imemoriais, tudo isso aqui e agora. Por isso, tomar refúgio no Buda é tomar refúgio em Dogen, em Bodhidarma, em Ananda. Todos eles estão lá, é a mesma natureza, a mesma energia, o mesmo conhecimento, a mesma mente.

Mas tomar refúgio no Buda não garante, de forma alguma, que o praticante irá alcançar o Despertar. Isso depende unica e exclusivamente de nossa prática: muita meditação, muito estudo, muita reflexão, muita renúncia. Tomar refúgio no Buda quer dizer que aceitamos o Buda como nosso mestre (incluindo todos os mestres subsequentes até os dias atuais). Significa que aceitamos seguir os ensinamentos de Buda, pois eles apontam o caminho a ser seguido, caminho já percorrido por mais de 2500 anos por tantos e tantos mestres, que lograram o despertar muito antes de nós e podem nos indicar alguns macetes para o caminho.

De acordo com nossa prática, chegará o dia que conheceremos a Natureza Búdica por experiência própria (kensho). E com muito mais prática ainda, chegará o dia que a Natureza Búdica se manifestará completamente, ou seja, haverá o despertar, a iluminação (satori).

Quando entramos em contato com nossa Natureza Búdica, quando ela se manifesta, cessam completamente todos os ventos dos desejos, aversões e ilusões. Nirvana quer dizer 'não-ventos'. Enquanto estivermos em contato com nossa Natureza ou quando ela estiver se manifestando, não haverá um EU, não haverá Samsara, não haverá desejos, aversões, ilusões, não haverá sofrimento. A mente estará completamente dominada. Estamos livres (melhor dizendo, refugiados) dos sofrimentos. Isso sim, é TOMAR REFÚGIO NO BUDA. A Natureza Búdica nos refugia dos sofrimentos, pois quando ela se manifesta, o ego desaparece junto com todos os venenos e sofrimentos.

Quando a Natureza Búdica se manifesta completamente, quando há o Despertar, não há mais necessidade de se refugiar nos ensinamentos de Shakyamuni Buda. O refúgio passa a ser direto na Natureza Búdica. Não há mais sofrimento, pois não há mais apegos. Não devemos ter apego sequer aos ensinamentos de Buda. Afinal, Buda, Dharma e Sangha tornam-se um só. O objetivo foi alcançado. O barco deve ser abandonado. Com gratidão, mas abandonado, pois há uma grande trilha em terra firme a ser percorrida pela frente.

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