segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Modelo de Vida


MODELO DE VIDA

Ultimamente um assunto recorrente nos pontos de ônibus, barbearias, bares e afins versa sobre o cada vez pior problema do excesso de automóveis nas ruas, do cada vez mais caótico trânsito em que nos engolfinhamos todos os dias, e sobre como um produto originalmente concebido para ser um BEM acabou se tornando um MAL. O trânsito nos deixa nervosos, irritados, impacientes, desolados. O trânsito polui. O trânsito nos incomoda com seu barulho, com sua intolerância e violência. O trânsito destrói nossos recursos naturais através da exploração cada vez mais irracional de metais, petróleo e tantas outras matérias-primas, renováveis ou não, visando o lucro a qualquer preço, colocando sempre o dinheiro acima do valor da vida. O trânsito mata. E mata muito. Mata mais do que as guerras. É um inimigo oculto que, como um parasita, foi se instalando em nossa sociedade e aos poucos foi crescendo e se alimentando, tomando tal proporção que hoje dependemos dele, não podemos mais viver sem ele, odiamos ele e mesmo assim não conseguimos mais nos livrar dele. É como qualquer fármaco: na dose certa é um remédio, na dose errada é um veneno.

O interessante é que as pessoas SABEM os motivos que levaram a esse tamanho desconforto, diria mais, esse tamanho incômodo, esse câncer maligno que nos tortura todos os dias. Não são pessoas letradas, não são doutores, mas todos sabem: A causa de todos esses problemas é o egoísmo exacerbado do mundo
atual (a maioria dos carros nos engarrafamentos só tem uma pessoa dentro), que é criado por uma falsa necessidade de status (ser mais ou melhor do que o outro, o que nos leva a querer sempre ter um carro melhor do que o do vizinho), status esse que é alimentado por uma força de mídia tremendamente  poderosa que nos bombardeia com três mil anúncios publicitários por dia, força essa que está a serviço de um sistema que foi cuidadosa, consciente e meticulosamente planejado há mais de cem anos por pensadores a serviço de uma extrema minoria detentora de uma coisa muito importante: o dinheiro.

Vamos fazer o caminho inverso: Uma extrema minoria, talvez nem sequer meio por cento da população, detém muito poder, muito dinheiro. É óbvio que eles vão querer sempre manter ou acumular mais riquezas, custe o que custar. A vida não importa. Os recursos existem para serem extraídos até a extinção. Problemas gerados são oportunidades para se fazer mais dinheiro. Exemplos? A violência no trânsito é excelente oportunidade para se abrir clínicas de ortopedia e traumatologia! E também para laboratórios de raio-x ou de diagnóstico por imagem. Enfim, quanto pior, melhor. A vida humana não interessa, é apenas mais um recurso para se fazer mais dinheiro. E quando a pessoa morre, ainda assim lucram as funerárias e cemitérios.

Voltando no tempo:

Após a Revolução Francesa, o poder passou às mãos dos burgueses, dos capitalistas. Eles trouxeram o progresso, após quase um milênio de trevas. Era o século das luzes! Máquinas a vapor! Era possível ir ao mercado para comprar sabão, comida, roupas, sapatos, coisas que antigamente só poderiam ser adquiridas de pequenos fabricantes locais, os artesãos. Nisso apareceram grandes indústrias, gigantescas fábricas (que vem de fabril, ou seja, teares, produção de roupas).

O modo de produção repentinamente mudou. Isso gerou uma grande crise. Não havia profissionais habilitados. Os antigos artesãos, outrora livres e autônomos, agora eram obrigados a ficar doze horas por dia na frente de uma máquina fria. As mulheres deixaram seus lares e afazeres domésticos para trabalhar nas indústrias, pois eram mão-de-obra mais barata que os homens. Crises sociais e inversão de papéis nas famílias começaram a bagunçar as coisas.

E então vieram as indústrias automobilísticas! A gigantesca Ford, a General Motors e a Volkswagen. O sonho de consumo de todo trabalhador era poder ter um carro. Foram construídas estradas, rodovias, pontes, viadutos. As distâncias se tornaram menores. Agora era possível atravessar um continente inteiro em poucos dias. O automóvel foi, sem dúvida alguma, em termos de importância, o maior bem de consumo já produzido pelo homem até então.

Estamos no início da década de 20. A crise mundial, a grande quebradeira das empresas que cresceram demais, a especulação imobiliária e financeira que gerou uma bolha, que finalmente estourou em 1922. Teorias como o marxismo começaram a mostrar-se reais: o capitalismo não pode ter futuro, pois é autofágico, alimenta-se de si mesmo, é entrópico e egoísta, portanto não pode ser um bem para a sociedade. Não pensa no bem comum, tem olho apenas para o próprio umbigo. O socialismo desponta como uma grande alternativa para a sociedade. Em 1917 a revolução russa instala o comunismo em uma grande nação, e vários países começam a seguir o mesmo exemplo, dividindo o mundo em três partes: o Primeiro Mundo, capitalista, o Segundo Mundo, comunista, e o Terceiro Mundo, que é meramente fornecedor de matéria prima para os outros dois. Com o espantoso crescimento do comunismo, os capitalistas se reúnem e passam a elaborar um novo modelo, um novo sistema capitalista, uma máquina gigantesca de se fazer dinheiro e que pudesse ter longa vida, sem os percalços de enormes crises como a de 22.

Então, enquanto a Segunda Grande Guerra acontecia, nas surdinas os pensadores iam elaborando o novo sistema social. Ele precisava estar profundamente enraizado no EGO de cada pessoa. Sua transição deveria ser tão lenta e natural que ninguém percebesse. E o sistema precisava de uma força gigantesca de divulgação. Logo em seguida foi inventada a TELEVISÃO, a COMUNICAÇÃO POR SATÉLITES e, bem depois, os COMPUTADORES e a INTERNET. O sistema deveria se transformar em uma espécie de religião para as pessoas. Elas iriam acreditar tão cegamente no sistema que não iriam perceber que estavam sendo manipuladas por ele. Isso teve início lá pela década de 50. O mundo estava destruído pelas guerras e precisava ser reorganizado. As pessoas precisavam comprar novos produtos, novas roupas, novas casas, novos carros. Iniciou-se a era do consumo.

Mas os bens comprados não poderiam ser mais tão duráveis quanto antes, pois em 1920 era possível comprar um ferro elétrico que durava a vida toda, então percebeu-se que isso não era lucrativo. As coisas precisavam ter um período de obsolescência, ou seja, precisavam estragar logo, para que outro produto pudesse ser vendido no lugar do antigo. Mas essa transição deveria ser lenta, senão as pessoas perceberiam. O ferro de passar passou a ser planejado para durar 15 anos. Depois 12. Depois 10. Hoje um ferro elétrico tem vida útil em torno de 5 anos. Aí somos obrigados a jogá-lo fora para comprar um modelo mais novo, mais bonito e eficiente e que vai durar menos tempo ainda. E assim é com todas as coisas que estão à nossa volta.

Realmente a transição foi tão lenta que não chegamos a perceber. Na verdade até comentamos: antigamente as coisas duravam mais, ou não se fazem mais coisas como antigamente. Só que não paramos para pensar que isso foi PLANEJADO CONSCIENTEMENTE.

Mesmo assim, ainda era necessário que as coisas tivessem uma vida útil ainda menor, ou seja, que fossem trocadas ANTES de estragarem. Mas por que alguém iria se desfazer de um produto que ainda está em ótimo estado de conservação? É aí que entra a maior sacada do sistema capitalista moderno: para ser igual aos outros, ou melhor do que eles. Todo o extremo consumismo do mundo atual está baseado nessa 'necessidade' de ser igual ou melhor do que os seus próximos. A vaidade combinada com a inveja.

Aí a indústria encontrou um lastro gigantesco e infinito de possibilidades para se esbaldar à vontade. A criatividade é o limite. Os brinquedos, antigamente feitos para durarem anos, hoje são feitos para durarem HORAS (isso mesmo, HORAS!). Duvida? Compre em uma loja de 1,99 um carrinho qualquer feito na China e dê para uma criança de três anos para ver quanto tempo dura. Exato. Se já não estiver avariado de fábrica (o que é muito comum), logo vai quebrar uma roda, soltar uma peça ou se desmantelar inteiro. Em poucas horas vai estar estragado. Tudo bem, é um brinquedo barato, amanhã eu compro outro. É EXATAMENTE ISSO QUE ELES QUEREM!

Mas como fazer com que as pessoas comprem deliberadamente produtos que sabem que vão durar apenas algumas horas? Isso não faz sentido, qualquer pessoa com dois neurônios iria perceber que estaria jogando dinheiro fora! O sistema precisava de algo mais sólido, que forçasse as pessoas a comprar um produto, mesmo sabendo ser de péssima qualidade. Então eles inventaram a MÍDIA, uma das mais fantásticas ferramentas do Marketing. Nós somos bombardeados todos os dias com milhares de anúncios em várias mídias diferentes: televisão, rádio, outdoors, revistas, jornais, internet, etc. E eles são cruéis.

Eles atacam nossas crianças, pois elas têm uma mente facilmente influenciável e irão se tornar excelentes consumidores pro resto da vida. Basta ver quantos programas infantis existem, quantos PATATI-PATATÁS da vida estão lançando DVDs o tempo todo, quantos BEN10 aparecem todos os anos, quantos HOT WEELS, quantas BARBIES, quantas HELLO KITTY, etc. Esse produtos são caros e planejados para terem pouquíssima vida útil, visto que conscientemente são produtos da MODA, programada para durar um ano ou menos. Ano que vem é outra temporada, vão ser outros heróis, outros personagens, outros bonecos, outros carrinhos, outras roupinhas... novamente, a criatividade é o limite. E para o bolso do consumidor, crédito e mais crédito até ele se enforcar totalmente.

A indústria da telecomunicação também se esbalda com a criatividade e com o 'avanço' tecnológico. Cada seis meses seu celular se torna obsoleto. Novos modelos são lançados, com muito mais funcionalidades e possibilidades de interconexão com outros celulares. com mais serviços, novos sistemas, aplicativos, redes sociais, novas formas de interagir. A indústria de celulares é o filão dos dias atuais, e opera exatamente em cima dessa necessidade de status, a vaidade, a inveja, o querer ser igual ou melhor que os outros. João tem um iPhone, eu também quero ter. Isso rende trilhões de dólares!

Voltando ao tema inicial, o mesmo acontece com os automóveis. Cada ano é lançado um modelo diferente. É o carro do ano. Quem tem o carro do ano é o melhor da turma. Hoje é o Camaro, o Veloster. Ano que vem vão ser outros. Daqui a três anos o Camaro e o Veloster vão estar ultrapassados. Vão estar fora de moda. Vão olhar para você pensando: coitado, não tem dinheiro para comprar um carro melhorzinho? E claro que sabemos que o carro ainda nem foi totalmente quitado.... não interessa, você precisa ter o carro do ano, o celular do ano, se vestir como a atriz da novela, usar o perfume da moda. Gostar das músicas da moda. Mais do que isso, você precisa ter o DVD com o artista da moda para tocar no carro, mostrar para seus amigos e dizer: vejam como estou atualizado!

A velocidade com que são fabricados novos veículos todos os dias é infinitamente superior à capacidade de se construir novas estradas.  Essa é uma equação que em longo prazo se transforma em uma bomba relógio. Analistas já haviam percebido e previsto isso no início da década de 80, ou seja, mais de 30 anos atrás. Falaram que em meados de 2010 a 2020 existiriam tantos carros nas ruas que o trânsito simplesmente não teria mais como fluir, o sistema entraria em colapso. Bom, só faltou eles acertarem o ano, pois é exatamente isso que estamos vivendo hoje. E mais, eles disseram que quando o preço da gasolina passasse de um dólar (e já passou faz muito tempo), os custos com transporte seriam tão altos que iriam inviabilizar o próprio sistema econômico. Eles sabiam que o petróleo é um recurso não-renovável, portanto iria ficar progressivamente mais caro, e que novas formas de energia ou de combustíveis alternativos não teriam tempo suficiente para serem descobertas e desenvolvidas de forma economicamente viável antes da extinção do petróleo. Em 1980 os cientistas já previam o colapso que estamos começando a viver hoje.

Nisso, entramos em um ciclo vicioso que pode ser extremamente perigoso: precisamos trabalhar para podermos sustentar nosso consumo de produtos que rapidamente se tornam obsoletos e que precisam ser substituídos, causando assim maiores despesas. Aumentam as despesas, precisamos trabalhar mais, fazer mais horas extras, e comprar mais e mais produtos. Quanto mais tempo trabalhando, menos tempo com a família, menos tempo fazendo coisas boas, menos tempo passeando, menos tempo vivendo. Nos transformamos em robôs, em autômatos, cuja única razão de viver é trabalhar para continuar comprando e sustentando o sistema indefinidamente. E ensinar nossos filhos a fazerem exatamente a mesma coisa.

Quem olha de fora, de forma crítica, sobre todo esse quadro, quem percebe esse emaranhado de necessidades criadas deliberadamente para nos escravizar, quem consegue se abstrair de forma a perceber essa máquina toda funcionando, essa pessoa sim tem a possibilidade de se libertar desse sistema.

Mas como? É possível se libertar de um sistema do qual já somos tão profundamente dependentes? Como vou viver sem Coca-Cola? Sem um celular? Sem assistir o Fantástico ou a minha novela favorita? Sem vídeo-games? Sem o carro do ano? Ah, a vida assim não teria graça nenhuma, seria um tédio!

Quem percebe a máquina do sistema funcionando, não está preso a nenhuma necessidade criada artificialmente pelo próprio sistema. Pra que Coca Cola se podemos fazer um suco de laranja, que é muito mais gostoso e saudável? Não é suficiente um celular que somente faça e receba ligações? Que tal fazer uma atividade em família ao invés de se entregar à entorpecente e hipnótica televisão? Que tal jogar bola ao invés de video-games? Que tal andar de bicicleta ao invés de carro? Quer saber? Uma vida assim seria muito, mas muito mais divertida sim!!

Mas é possível vivermos desta forma, estando dentro do sistema? Sim e não. Podemos optar por uma vida mais simples e mais saudável, podemos optar por morar em um lugar mais tranquilo e mais próximo à natureza, podemos optar por ter bons hábitos, por cultivar bons valores, podemos optar pelo AMOR e pela AMIZADE em lugar do DINHEIRO e das INFLUÊNCIAS. Mas estando dentro do sistema, querendo ou não continuaremos a alimentá-lo de uma forma ou de outra.

Por isso existem vários movimentos sociais em todo o mundo incentivando a vida em COMUNIDADES PEQUENAS. Conceitos lançados há mais de 50 anos, como ECOVILAS SUSTENTÁVEIS e PERMACULTURA, hoje estão bem amadurecidos e com inúmeros exemplos práticos de sucesso. Já existem milhares de comunidades em todo o mundo que produzem seu próprio alimento, sua própria energia, que reciclam seu lixo, que estão mais integradas à natureza e que baseiam-se em valores humanos verdadeiros. Se há algum caminho para vivermos em uma sociedade melhor, mais harmônica, com mais amor, paz e cultivo de bons valores, esse caminho só pode ser através da vida em pequenas comunidades, pois nas grandes cidades somos tão bombardeados pelas necessidades impostas pela mídia que dificilmente conseguiremos nos libertar delas. Nas grandes cidades impera a violência, o desprezo pelos bons valores e pelo próximo, impera o consumismo, o egoísmo, o desrespeito e a total banalização da vida humana. O que está fora da minha pele não me interessa, não sou eu. São esses os valores que queremos passar aos nossos filhos? Essa dualidade doentia e tão des-integrada da realidade?

Não consigo imaginar um modelo social economicamente sustentável e que tenha base nos melhores valores morais e éticos do ser humano se não for através da vida em pequenas comunidades, preferencialmente rurais. Alguns vão dizer: mas assim você não vai estar preparando seu filho para enfrentar o mundo e ter sucesso. Pergunto: o que é o sucesso? É ter mais do que os outros? Pra que, se podemos ter o suficiente? E enfrentar o mundo para que, se você pode se HARMONIZAR com o mundo, e assim ser realmente feliz? Vejam, não é errado ter uma vida próspera, ter uma boa casa, uma boa mobília. O errado é estar APEGADO a essas coisas e acreditar que o dinheiro tem mais valor que a vida, o amor, a felicidade.

Para concluir: Meu filho de dois anos e meio adora assistir desenho animado. Fica como um sonâmbulo na frente da TV ou do computador. Esperneia e reclama quando não está assistindo o desenho que quer. Mas sabe quando é que ele realmente se diverte e dá gargalhadas? Quando está correndo e brincando no pátio, quando fazemos guerra de travesseiros ou de cócegas, quando jogamos bola e quando vamos brincar nos parques. Ele gosta de ver bichos na TV, mas fica absolutamente fascinado quando os vê ao vivo. Ele gosta de brincar com carrinhos da Hot Weels, mas não tem como comparar nem de longe com o tanto que ele gosta de tomar um banho quentinho com o papai ou de dar um abraço bem gostoso na mamãe quando está na cama para dormir. São esses valores essenciais que a sociedade atual está desastrosamente perdendo. O boneco de borracha do Mickey impera sobre o carrinho de rolimãs, nossas crianças estão se tornando adultos tristes e irritados, que precisam consumir desvairadamente para poderem preencher o vazio gerado pela própria busca deste consumo. Como disse, o capitalismo é autofágico.

Enquanto somos consumidores, estamos consumindo a nós mesmos. A saída é abrir a janela, desviar o olho da TV, sentir o cheiro da grama e ver como é linda a aurora, junto àqueles a quem você ama. Isso sim é importante.