quinta-feira, 15 de março de 2012

O Dharma, a Caverna e a Luz do Sol

Este é um blog sobre budismo, sobre o Dharma.
Porém, não há coisa mais contraditória do que fazer um blog para falar do Dharma.
O Dharma não pode ser explicado por palavras. Não é possível defini-lo. É como tentar explicar para uma pessoa qual é o gosto do sal. Enquanto a pessoa não sentir, nenhum tipo de explicação poderá ser útil.
Por outro lado, falar sobre o Dharma é a única coisa que podemos fazer para que as outras pessoas se interessem pelo assunto, e assim plantem uma semente em seu inconsciente que talvez um dia, nessa vida ou em vidas futuras, venha a brotar.
Se uma única pessoa que ler estes comentários começar a praticar por causa deles, ficarei realmente muito feliz, pois será mais uma pessoa que estará se libertando das ilusões e apegos de sua mente.
Vou contar uma historinha que passou pela minha cabeça hoje, em um insight muitíssimo interessante. Há semelhanças com outras histórias budistas e também com um famoso trecho da República de Platão, mas esse foi um insight genuíno e não possui nenhuma inspiração nessas histórias, então vou descrevê-lo como o experienciei:

Imagine uma pessoa que nasceu em uma caverna e que jamais tenha visto a luz do sol.
Essa pessoa não sabe sequer que o sol existe.
Em um determinado dia, andando pela sua caverna sob a luz de uma pequena vela, vê alguns desenhos em uma parede, falando de um lugar maravilhoso, iluminado por uma luz de milhões de velas, uma luz chamada Sol. Essas inscrições falam sobre um caminho que tem que ser percorrido para se chegar até o sol.
Ele começa a imaginar coisas sobre esse tal de Sol. Deve ser um Deus, ou talvez um demônio. Então inventa umas orações, faz prostrações e reverências em respeito ao Sol. Resolve dedicar um dia por semana para o Sol, e o chama de Dia do Domínio do Sol. Começa até a escrever poemas e fazer desenhos nas paredes falando do Sol, que é um Deus cruel, vingativo e que esmagará todos aqueles que não se ajoelharem diante dEle.
Certo dia, retornando à mesma sala com as inscrições na parede, percebe que as inscrições mostram o desenho de um mapa, e começa a imaginar se esse caminho realmente não existe, ou seja, que seja realmente possível conhecer pessoalmente essa tal de Luz do Sol.
Ainda cercado de muitas dúvidas, resolveu procurar esse caminho.
Começou a percorrer corredores da caverna pelos quais jamais havia se aventurado. Perdeu-se várias vezes, caiu, tomou desvios errados, mas não desistiu e continuou procurando.
Então, lá no fundo de um corredor muito estreito e de difícil acesso, ele vislumbra uma claridade. Será a luz do sol? Será então que tudo isso é verdade, é real mesmo? Nosso personagem então se anima e passa a percorrer o corredor de difícil acesso em direção à luz.
Precisa andar agachado, rastejar, encher a boca e os olhos de poeira, as pedras machucando os joelhos, as costas raspando no teto, as mãos esfoladas. Mas a cada pequeno avanço, a luz fica mais intensa.
Em vários momentos era tão difícil de prosseguir que ele chegou a pensar em desistir. Mas só o fato de olhar para a frente e ver aquela tênue luminosidade, lá no fundo do corredor, já lhe enchia de energia e ele começava a andar de novo.
Então o corredor começa a ficar um pouco mais amplo, já é possível andar um pouco mais rápido. Já dá para ver sombras e reflexos. Agora a animação toma conta de nosso personagem e sua determinação aumenta. Nada poderá impedi-lo de chegar à tão falada luz do sol.
A alegria toma conta do personagem. A claridade começa a ofuscar a visão. Pela primeira vez na vida, ele vê coisas coloridas: musgo verde, manchas coloridas na pedra, o chão marrom... começa a sentir uma agradável brisa e sons que jamais havia escutado.
Então, ele vislumbra a entrada da caverna, e uma luz tão intensa que não consegue fixar seus olhos nela.
Nesse momento, ele SAI DA CAVERNA e fica inteiramente sob a luz do sol. A alegria é indescritível. Seus olhos vão se acostumando com a luz e ele vê árvores, grama, o céu, as nuvens, os pássaros, os animais, um riacho com água pura e cristalina, o ar puro, o vento, as flores, toda a imensidão da vida se movendo ao seu redor, tudo colorido e iluminado pela majestosa e quente luz do sol, e cada mínimo detalhe de cada momento é de intensa maravilha.
Ele corre pelos campos, prova frutas, bebe da água do rio, molha-se, rola na grama. Sobe nas árvores e brinca com os animaizinhos. Corre e brinca muito, em total êxtase, até cansar.
Então ele olha para trás e vê a sua caverna. Sente um aperto muito grande no coração, pois todas as suas referências estão lá. Todas as suas coisas, as suas ferramentas, suas lamparinas, suas roupas... Ele sente medo. Um medo mortal, pois ele sabe que agora é a hora de cortar o cordão umbilical, de se despedir de sua velha caverna e de iniciar uma nova vida. Ele chora. É muito difícil abandonar tudo aquilo que ele achou que era real. Sua caverna era tão quentinha, tão cômoda, tão segura... Então, ele respira fundo, faz uma profunda reverência à sua caverna, volta-se para a luz e parte para sua caminhada, a fim de conhecer melhor esse lugar maravilhoso e fantástico que sempre esteve à sua volta e que ele sequer imaginava existir.
Ele jamais retornará à sua caverna.
Em sua caminhada, descobre outras cavernas. Dezenas, centenas delas.
Então resolve entrar nessas cavernas. Dentro de cada uma delas tem uma pessoa. Ele pede licença, entra e tenta conversar com essas pessoas, chamar para a luz. Mas essas pessoas também estão presas demais às suas cavernas e não o escutam, em total desconfiança. Mandam-no embora.
Ele tenta em outra caverna. E outra, e outra. Ele sente muito por não ter capacidade de trazer essas pessoas para fora, para ver a luz do sol como ele viu. Mas seria um egoísmo muito grande poder desfrutar da luz do sol e não trazer as outras pessoas para junto de si, para que elas também possam se libertar. Por isso, ele jamais irá desistir de tentar trazer as pessoas à Luz do Sol.