segunda-feira, 3 de julho de 2017

Projeto Highlander

PROJETO HIGHLANDER


O detetive


Um automóvel comum transita por uma estrada rural, completamente deserta, num final de tarde tranquilo. O inverno trazia dias secos e relativamente quentes, enquanto as noites eram gélidas e estreladas.
A porta da cabana se abre com um rangido seco. O detetive Justo Bonfiglio tira seus calçados, coloca os chinelos e começa a guardar as compras em seus devidos lugares.
Justin escolheu morar em uma cabana isolada. Com uma potente internet via satélite e equipamentos adequados, possui toda a tecnologia necessária para fazer seu trabalho sem ser importunado. Depois de um banho quente e de uma refeição saudável, senta-se na frente do computador e começa a ler suas mensagens.
O detetive possui vários perfis falsos que utiliza nas redes sociais, para poder investigar seus casos sem que descubram sua verdadeira identidade. Para evitar enganos, faz disciplinadamente as leituras e postagens de um perfil de cada vez.
Alguns minutos depois, começa a ler seus e-mails. Recebe dezenas, talvez centenas, todos os dias. Mantém uma pasta para cada caso sendo investigado, e vai salvando suas mensagens nas pastas correspondentes.
Porém, em um determinado momento, uma mensagem chama sua atenção. Era um e-mail enviado por uma grande fabricante de medicamentos em nível mundial, o Laboratório X, pedindo para que viesse com urgência em sua sede, informando que as passagens aéreas já estavam pagas e marcadas para o dia seguinte. O e-mail ainda informava que se tratava de um caso importantíssimo e de alto
sigilo, e que a recompensa por aceitar o caso seria certamente muito mais do que gratificante.
Havia um número de telefone na mensagem. Resolveu ligar para confirmar as informações.
Foi atendido por uma secretária. Explicou a situação e foi transferido imediatamente para a diretoria da empresa. O diretor confirmou os dados e reiterou a urgência e importância de sua presença na sede nao dia seguinte.
Justo agradeceu a confiança e confirmou sua presença. Em seguida, terminou de fazer seu trabalho rotineiro e foi descansar.
No dia seguinte, saiu cedo com uma pequena mala e foi para o aeroporto.

A fábrica de medicamentos


Pouco mais de uma hora depois, estava entrando na recepção da referida empresa fabricante de medicamentos. Foi prontamente recebido. Uma pessoa foi designada para apresentar a fábrica, os diversos laboratórios, as salas de controle de endemias, alguns escritórios e, finalmente, foi encaminhado para a presidência.
O sr. Marlon se apresentou como sendo o presidente da companhia e pediu para que Justo entrasse em seu escritório e se sentasse. Ofereceu água e biscoitos. Justo aceitou a água. O sr. Marlon então prosseguiu:

O maior segredo da história


- Sr. Justo, em primeiro lugar, agradeço imensamente por ter aceitado este caso. Tenho certeza que o sr. deve ter muitas dúvidas a respeito, então vamos direto ao assunto. O sr. já ouviu falar do Projeto Highlander?
- Não sr, nunca ouvi falar a respeito. Do que se trata?
- O Projeto Highlander é uma espécie de competição entre as maiores fabricantes de medicamentos do mundo, obviamente incluindo a nossa. O objetivo do projeto é desenvolver um medicamento que permita prolongar a vida humana.
- Prolongar a vida humana? O quanto?
- Pra sempre.
Justo se assombra com a resposta e, perplexo, pergunta:
- E no que, exatamente, eu poderia ajudar vocês?
- Primeiramente, você deve saber que o laboratório que patentear uma droga que prolongue a vida humana indefinidamente, se tornaria o mais poderoso laboratório do mundo. Talvez a maior empresa do mundo, pois este medicamento seria vendido apenas para uma elite bastante restrita, por um preço simplesmente incalculável. Então, entramos em uma corrida para desenvolver esse produto. É algo como o que aconteceu na Guerra Fria entre os EUA e a URSS para ver quem chegava na Lua primeiro.
- Entendi. Mas... como funcionaria essa questão de prolongar indefinidamente a vida?
- Bom, você deve saber que cada célula do corpo humano possui uma programação própria a respeito de sua longevidade. Cada uma de nossas células já sabe quantos anos de vida o corpo irá durar. Ao chegar a velhice, algumas células entendem que não são mais necessárias e "praticam suicídio". O corpo fica mais lento, há mais dores, a pele enruga, o cabelo enfraquece, os hormônios baixam, baixando também o apetite sexual, o vigor físico e a imunidade, abrindo brechas para surgirem as doenças que por fim irão encerrar a vida do indivíduo. Até aqui você entendeu?
- Sim, creio que sim.
- Agora imagine se um medicamento fosse capaz de enganar o DNA da célula, dizendo pra mesma que o indivíduo está permanentemente com trinta anos de idade. O que você acha que iria acontecer?
- Bom, imagino que o nosso corpo não envelheceria.
- Exatamente. Cada célula de nosso corpo imaginaria que o sujeito tem trinta anos, portanto o corpo da pessoa seria mantido permanentemente com trinta anos de idade, em plena saúde, para sempre, desde que continuasse a tomar o medicamento. Está entendendo?
- Hmmm, começo a perceber a importância deste projeto... Mas por que apenas uma certa elite teria acesso ao medicamento?
- Ora, isso é óbvio. Nós não queremos que a humanidade inteira dure para sempre. Para que serviria manter um mendigo vivo eternamente? Isso seria um castigo pra ele, concorda?
- Sim, mas...
- Então não podemos permitir que as pessoas sequer imaginem que estamos desenvolvendo esses medicamentos. Eles seriam vendidos apenas para uma parcela muitíssimo seleta da humanidade. É claro que o preço de venda precisaria compensar o número muito inferior de unidades vendidas. Por isso tudo é que definimos que cada comprimido custaria o preço de uma Ferrari nova, e que ele deve ser tomado mensalmente.
- Um único comprimido custaria o preço de uma Ferrari nova?
- Quanto você pagaria para viver para sempre, se pudesse, e se tivesse todo o dinheiro do mundo?
- Hmmm, é, faz sentido.
- Para compensar a baixa produção, precisamos cobrar muito caro a venda de cada unidade. se não, não compensaria sua produção, concorda?
- Certamente. Mas ainda não entendi no que posso ser útil.
- Pense um pouco. Tente adivinhar o que está acontecendo.
- Bom, se várias empresas gigantes estão disputando para ver quem patenteia primeiro o comprimido que garante vida eterna, então deve estar havendo algo como uma espionagem industrial. É isso?
- Exatamente! Vejo que você é esperto. Estamos sendo vítimas de espionagem industrial. Mas o caso é muito mais grave que isso. Uma empresa concorrente contratou um espião, que se infiltrou em nosso quadro funcional e conseguiu roubar uma série de informações de altíssimo sigilo. Informações que não poderiam cair em mãos inimigas em hipótese alguma.
- Entendi. E o que aconteceu?
- Esse espião conseguiu copiar todos os arquivos referentes à produção do medicamento, mas agora está negociando com as duas partes e pedindo uma soma assombrosa para não entregar para a concorrência. Está fazendo jogo duplo e, de um jeito ou de outro, vai sair ganhando um dinheiro inimaginável.
- E querem que eu descubra onde está essa pessoa, é isso?
- Mais do que isso, queremos que você evite de toda forma a possibilidade que esses arquivos venham a ser conhecidos pela nossa concorrência. Não importa se para isso você precise utilizar meios ilícitos e anticonvencionais....
- Você quer dizer, matar o cara?
- Ora, não vamos usar palavras tão agressivas. Mas percebo que você entendeu o recado.
- É, creio ter entendido. Tudo bem, eu topo o caso. Quado começo?
- Já começou. Amanhã esteja aqui às sete da manhã.

A caça


Justo vai à caça do espião, contando para isso com as últimas mensagens recebidas, de arquivos do setor de recursos humanos da empresa e de algumas mensagens trocadas com a diretoria. Pediu para analisar tudo isso em sua própria casa, local onde teria a melhor estrutura para executar o trabalho.
Passou alguns dias rastreando cada passo do suspeito. Entendeu como ele trocava de identidade e local com grande facilidade, apagando seus rastros e tornando sua identificação praticamente impossível. As mensagens eram enviadas de lan-houses com perfis recém criados e os telefonemas eram dados em telefones públicos, cada vez em um lugar diferente do país.
- Com tanto dinheiro envolvido, ele pode fazer isso pro resto da vida...
Justo começou a cruzar as informações e percebeu alguns padrões de comportamento. O grande defeito dos espiões é sempre deixar uma "assinatura" em seus métodos, algum tipo de padrão bastante sutil e de difícil interpretação. No caso, este espião estava indo de uma cidade para outra.... em ordem alfabética!
- Anandeua, Botucatu, Campo Largo, Diamantina, Esplanada, Florianópolis, Guarani... não repete nenhuma letra, nem pula nenhuma. Também sempre muda de estado. Então, qual seria a próxima?
Levantou todas as cidades com nomes que começam por H. Encontrou 21, sendo que três ficavam em Goiás, portanto restariam dezoito. Seis delas ficavam no Rio Grande do Sul, três em são Paulo, duas no Ceará e o restante uma em cada estado. Então, qual estado seria o escolhido?
Verificou que o espião estava sempre escolhendo o estado com o maior número de municípios com a letra escolhida. Portanto, a próxima seria certamente no Rio Grande do Sul. Mas qual?
Com relação ao tamanho da cidade, também havia um padrão: uma pequena, uma grande, uma pequena, uma grande. Então, como Guarani é uma pequena cidade no interior de Minas Gerais, então a próxima seria uma cidade grande. Bom, de todas as seis cidades do Rio Grande do Sul que começam com H, a maior é Horizontina. Uma pacata cidade com cerca de vinte mil pessoas no extremo norte do estado. Não é uma grande cidade, mas é a maior das listadas.
Não valia a pena pegar avião para chegar a Horizontina. Era mais fácil e rápido ir de carro. Em meia hora, já estava na estrada e em quatro horas estava chegando em Horizontina. Agora, precisaria localizar uma lan house. Tarefa fácil, pois no centro da cidade só haviam duas, e ambas com pouco movimento. E próximas. Do quarto do hotel, deixou uma câmera filmando a entrada de uma das lan-houses. Enquanto isso, desceu na praça e ocultou outra câmera, voltada para a outra lan house. Ficou ali, observando discretamente quem entrava e quem saía dos estabelecimentos.
Também prestava atenção nas placas dos carros, procurando especialmente alguma coisa suspeita. Duas horas se passaram sem qualquer identificação de possível suspeito. Começou a caminhar pelos carros estacionados e percebeu um com placa de Chapecó (a mais próxima cidade com aeroporto) e um adesivo de identificação de aluguel de veículos. Era um carro alugado.
Só poderia ser este.
Ficou a uma distância segura e colocou uma terceira câmera oculta, filmando o carro. Nisso, recebe pelo celular uma mensagem do Marlon, informando que acabara de receber um e-mail do sujeito. Rapidamente, vai até o veículo suspeito e fixa nele um detector GPS. Mantém uma certa distância enquanto observa. Um rapaz jovem, de óculos escuros, entra no veículo, confere seu celular e arranca em direção à saída da cidade. Justo entra imediatamente em seu veículo e começa uma perseguição à distância. Enquanto isso, coloca no computador de bordo o sinal do GPS rastreado e as imagens das câmeras ocultas. Consegue tirar uma foto do rosto do suspeito e envia para Marlon para identificação.
- Por acaso esse sujeito aí parece com alguém que trabalha ou trabalhou recentemente na empresa?
- Vou verificar e já retorno.
Em questão de dez minutos, Marlon liga, avisando:
- Sim, temos um funcionário em férias que se parece muito com esse sujeito.
- Qual era o setor dele?
- Limpeza.
- Claro, o pessoal da limpeza tem acesso a toda a fábrica. Muito astuto da parte dele. Quando ele foi contratado?
- Há dois anos. Um ano depois do início do Projeto Highlander.
- Provavelmente todos os dados que vocês têm dele são falsos. Mas vocês têm as digitais dele?
- Hm, deixa ver.... não, não temos não... peraí... algumas salas só permitem acesso biométrico, então pode ser que ele tenha cadastrado sua digital lá, né?
- Brilhante, sr. Marlon.
- Vou pedir para a area técnica verificar.
Enquanto isso, Justo continuava seguindo o veículo à distância. Já haviam atravessado a fronteira estadual e já estavam em terras catarinenses. O celular toca novamente.
- Justo, é o Marlon. Conseguimos a digital do suspeito. Já encaminhei para um amigo meu da polícia federal para tentar identificar.
- Perfeito, Marlon, era justamente isso que eu iria fazer. Estamos nos aproximando de Chapecó. Como é tarde, provavelmente o suspeito vai dormir em algum lugar e amanhã irá para uma cidade que começa com I. Como deve ter umas trezentas cidades que começam com I, precisamos agir rápido.
- Lembre-se que você tem carta branca para fazer o que for necessário. Tente fazer parecer um acidente.
Neste momento, Justo tem um insight e lembra-se de uma cena do filme O Poderoso Chefão. Lembra-se da máfia italiana. E se deu conta de tudo o que estava envolvido e acontecendo. Entendeu com clareza o papel que cada um desempenhava nesse jogo sinistro. Entendeu as regras do jogo.
A situação era complicadíssima: Um laboratório estava desenvolvendo um comprimido capaz de manter uma pessoa eternamente jovem. Por isso o nome Projeto Highlander. Imagine o poder econômico de um laboratório que vende cada comprimido ao preço de uma Ferrari. Claro que somente uma elite muitíssimo restrita teria acesso a esses medicamentos. Quem poderia comprar uma Ferrari por mês? Havia uma outra questão: se todas as pessoas pudessem viver para sempre, a população humana na Terra iria disparar em progressão geométrica, tornando o planeta inabitável em poucos anos. Seria o caos absoluto. Certamente os laboratórios tinham esta clareza, e certamente iriam vender o medicamento a um preço tão alto que somente os mais ricos poderiam comprar. Esse medicamento não poderia ser fabricado em grande escala, senão seria o fim da humanidade. Mas como garantir que a concorrente tivesse esta clareza? E se a concorrente estivesse pouco se lixando pra explosão demográfica e se preocupasse apenas em ficar podre de rica? E se a história contada por Marlon não fosse exatamente do jeito como ele tinha contado? E se...
Justo entendeu o que realmente estava acontecendo.
O espião havia entrado em um posto de gasolina e entrou na conveniência. Justo estacionou seu carro atrás. Ainda estava esperando a identificação do suspeito, mas achou que agora, tanto faz a identidade do espião. Eles precisavam conversar.
O espião estava sentado a uma mesa, fazendo um lanche. Justo serve-se de um salgado, pede licença e senta junto com ele.
- Olá, meu nome é Justo, e o seu?
- Roberto - responde sem dar atenção.
- Sr. Roberto, ou seja qual for seu nome de verdade, você já ouviu falar do Projeto Highlander?
O espião para de comer e fica imóvel por alguns segundos. Tira os óculos escuros e olha diretamente para Justo.
- Não tenho certeza. Por que a pergunta?
- Sr. Roberto, eu fui enviado pelo Laboratório X para evitar a qualquer custo que o segredo industrial mais caro do mundo seja vendido para a concorrente que lhe contratou.
O espião fica imóvel alguns segundos e pede:
- Como é que é? Explica isso direito que eu acho que tem um grande mal entendido nessa história.
- Eu também acho que tem. O laboratório X, a maior fabricante de medicamentos do mundo, me contratou porque supostamente você se infiltrou no quadro funcional para roubar um segredo industrial, a fórmula do comprimido da vida eterna, e supostamente você iria vender essa fórmula para o laboratório Y, ou para quem lhe pagasse mais. Não estou bem certo que esta seja realmente a verdade dos fatos. Isso procede ou não?
- Em primeiro lugar, quem é você?
- Meu nome é Justo. Sou detetive especializado em rastrear pessoas usando alta tecnologia.
- Ah, isso faz todo o sentido. Ok, percebo que você está com boa intenção e deve ter percebido que a história não foi exatamente como lhe contaram. Muito bem, deixa eu lhe esclarecer então.
Roberto toma um gole de café e prossegue:
- Em primeiro lugar, meu nome verdadeiro é Raul. Sou especialista em fraude de identidade. Fui contratado pelo Marlon para roubar a fórmula desenvolvida pelo laboratório Y. Ou seja, é o contrário do que ele está falando. Eu me infiltrei no laboratório Y usando documentos falsos. Trabalhei por dois anos no laboratório Y e finalmente consegui roubar a fórmula. Estou com ela em mãos, mas é óbvio que tenho cópias. Também sou hacker. Eu criei um sistema, no qual devo entrar todos os dias e digitar uma senha. Se errar a senha duas vezes ou se não entrar por dois dias seguidos, o sistema irá disparar um e-mail enviando a fórmula para todos os laboratórios que estão competindo no Projeto Highlander. Entendeu?
- Quer dizer, você criou uma forma de garantir que ninguém o mate, é isso?
- É. E todos os laboratórios sabem disso. Então por que o Marlon, mesmo sabendo disso, ordenou que você me mate?
- Hm, isso realmente não faz muito sentido.
- Claro que faz. Pense bem: seria uma fantástica queima de arquivo. Você me mata, ele recebe a fórmula por e-mail, e não me paga a fortuna que estou cobrando por fazer esse trabalho. Dane-se se os outros vão receber a fórmula também. O laboratório X é o maior do mundo, ele iria lançar o produto primeiro, fabricar em grande escala e não daria espaço para os concorrentes. Simples assim. Entendeu agora?
- Realmente faz todo o sentido. Mas o que faremos agora então?
- Você teve acesso aos e-mails que eu mandei para o Marlon?
- Não. Apenas algumas mensagens. Ele apenas me falou quais foram as cidades de onde eles foram enviados.
- Então você não leu nadinha nadinha do que eu escrevi?
- Não.
- Vem cá. Leia você mesmo os originais:
Raul mostra os e-mails originais em seu smartphone, e Justo compreende que Raul estava falando a verdade. Mas era muito mais do que isso. Havia uma verdadeira conspiração por trás da fabricação desse medicamento. Um grupo de pessoas que queria viver eternamente e manipular a economia, a política, a religião, as informações, enfim, tudo. E para sempre. Um mesmo grupo de pessoas por trás dos bastidores, comandando toda a humanidade.
- Isso é inacreditável. Então esse medicamento foi fabricado por ENCOMENDA?
- Exato. As duzentas pessoas mais poderosas do mundo estão financiando a fabricação deste medicamento, para poderem se manter no poder - e podres de ricas - por toda a eternidade. Na verdade, elas e seus familiares próximos.
- Nesse caso, esse medicamento não é uma bênção, mas uma maldição.
- Exatamente. É por isso que estou me recusando a entregar a fórmula. E fui mais longe ainda: eu consegui apagar a fórmula dos computadores do laboratório Y.
- Ou seja....
- Só EU, no mundo inteiro, tenho essa fórmula agora. Entende por que estão me perseguindo desesperadamente?
- Mas eles podem desenvolver de novo...
- Podem. Mas eu é que não vou facilitar o trabalho deles.
- Então é por isso que você está mudando de cidade cada dia.
- Claro. Se eu parar dois dias no mesmo lugar eles me encontram e me matam. Você foi o primeiro que conseguiu me encontrar, mas graças a Deus foi inteligente o suficiente para perceber que estava sendo usado por eles.
- E o que faremos agora?

A decisão


- No estágio em que as coisas estão, não há volta. Esqueça sua vida anterior. Ela não existe mais. Agora você precisa fugir e se esconder, como eu.
- E por que não destruímos a fórmula?
Raul para e pensa um pouco. E responde:
- Eu tenho a fórmula como um trunfo. Ela está guardada em um local onde jamais vão descobri-la, e criptografada de tal jeito que jamais vão conseguir descriptografar. A bem da verdade, a única forma de conseguir a fórmula é me matando mesmo, pois assim todos recebem a fórmula por e-mail. Bom, vamos rever isso e usar a nosso favor. Que tal?
- Excelente ideia. Veja, fazemos uma dupla que se completa: você é especialista em fraude de identidade e eu sou especialista em rastrear pessoas. Eu garanto nossa segurança, rastreando ameaças, enquato você nos mantém anônimos. E juntos vamos sempre tentar sabotar o plano deles, que tal?
- Muito bem, mas como vamos viver? Comendo a fórmula?
- Você não é hacker?
Raul pensa um pouco.
- É, sou... Mas não pensei em fazer disso uma fonte vitalícia de renda.
- Mesmo se a conta bancária hackeada fosse a dos laboratórios? Ou melhor ainda, dos duzentos aqueles que estão financiando as pesquisas?
- Hmm... é. Fechou. Combinado. E pra onde vamos agora?
- Bom, seguindo a sua lógica, a próxima cidade seria com I agora, né?
- Ah, então foi assim que você me encontrou... parabéns, seguiu corretamente meu pensamento. Você explicou esse padrão pro Marlon?
- Bah, infelizmente sim.
- Então é óbvio que precisamos mudar de padrão.
Justo pensa um pouco:
- Que tal irmos morar em uma ilha deserta?
- Romântico demais. Desculpe mas você não faz exatamente meu tipo. Não é o tipo de pessoa que eu gostaria de viver o resto da vida sozinho numa ilha.
- E se a gente for morar no meio do mato, numa comunidade alternativa, sem acesso a nada, completamente fora do sistema?
- Hmmm.... Assim já melhorou. Alguma sugestão?
- Ao invés de letras, podemos usar números...
- Deixa eu fazer uma pesquisa aqui. Hmmm... que tal a comunidade hare krishna de três corações?
- Perfeito!
- Olha só, já devem ter me rastreado neste momento, já devem saber em qual hotel estou hospedado e vão localizar o meu carro. Você foi com o seu carro no laboratório?
- Sim, por que?
- Então já sabem a placa dele também. Vamos pegar um ônibus. Esperam que a gente chegue em Chapecó, mas vamos dormir em Xanxerê e amanhã seguimos viagem, combinado?
- Combinado.
Três dias depois, dois hare-krishnas de cabeça raspada, com suas togas e incensos, desciam de um ônibus em Três Corações.
Foram recebidos pelo líder da comunidade e iniciaram seus longos retiros de três anos, fechados em eremitérios individuais.
Seus nomes civis? Ninguém sabe. Apenas os nomes espirituais: Hac Ker Das e Ras Treia Das.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Ananda e o Facebook do Buda

Como todos sabem, Ananda era o secretário de Buda. Um dia, Ananda estava atualizando a página de Buda no Facebook e pediu ao mestre, que estava em meditação:
- Mestre, o Facebook está pedindo uma biografia curta. O que escrevo?
- Ananda, você sabe, recita isso todos os dias antes das refeições: O BUDA NASCEU EM KAPILABASTU, ATINGIU A COMPREENSÃO EM MAGADA, ENSINOU EM HARADA, ENTROU NO NIRVANA EM KUCHIRA.
- ... Nirvana... não dá, tem espaço só para 101 letras.
- 101? Não pode ser 108? Gosto mais do número 108...
- Só 101, ó Venerável.
- Então que tal "Praticar o bem, evitar o mal, ser senhor da sua mente"?
- Com todo meu respeito, ó Iluminado, isso não parece ser uma biografia.
- Tens razão, Ananda. Mas não vejo exatamente como uma biografia de 101 letras no Facebook pode ajudar alguém a alcançar a iluminação. Tens alguma sugestão?
- Ó Tathagata, poderia ser algo que falasse brevemente sobre sua personalidade.
- Personalidade? Ananda, em quarenta anos de andanças comigo você não aprendeu nada?
Os dois permaneceram em silêncio por alguns momentos. Ananda teve uma ideia:
- Ó Venerável, vou mandar um whatsapp pro Dogen pra ver se ele pode dar uma luz pra gente.
- Dogen só vai nascer daqui a dois mil anos, Ananda. Realiza!
- Hmmm... verdade. Puxa, isso parece coisa do capeta... Ei, e que tal consultarmos Mara?
- Boa ideia. Ninguém me conhece melhor do que ele. Tens o número?
- Tenho, mas é da TIM. Vai custar os olhos da cara a ligação. E ele não tem Whatsapp.
- Taca-lhe pau. Tentar falar com Mara sempre é um verdadeiro inferno.
Ananda liga para Mara. Atende uma voz feminina:
- Oi, Mara está ocupado fritando algumas almas em óleo quente. É urgente?
- Moça, diga que é o Gautama Buda que quer falar com ele. E que almas não existem.
- Alô, aqui é o Mara. Fala aí, brô.
- Mara, é o Ananda. A gente quer atualizar o perfil do Buda no Facebook e precisamos colocar uma biografia dele com 101 letras...
- Pô, eu me divertindo aqui fritando seres insaciáveis e você me interrompe com essa banalidade?
- Mara, desculpa aí, mas saca só: você pode usar o Facebook para fazer as pessoas perderem 90% de seu tempo, não praticarem meditação, se alimentarem mal, não trabalharem e se tornarem mais seres insaciáveis, assim você vai poder fritar uma quantidade muito maior deles. Nesse caso não é uma banalidade, concorda?
- Ananda, você tem razão. Tu é esperto, guri! Tudo bem, vou ajudar vocês. Tem que falar sobre o seu patrão só com 101 letras, é isso?
- Isso mesmo.
- Não pode ser 108?
- 101.
- Tá bom. Vamos lá: "O ILUMINADO". Que tal?
- Hmmm... é um tremendo resumo mesmo, mas parece título de filme do Jack Nicholson. E soa meio proselitista, né?
- É. Teu patrão não ia gostar. Que tal "Eu sou você amanhã"?
- Me lembra propaganda dos anos 70. E só existe o momento presente, não existe "amanhã". E é melhor não usar a palavra "Eu"...
- Pô, Ananda, assim fica difícil. Resumir uma biografia em apenas 101 letras é dose. Quem foi o energúmeno que inventou isso?
- Deve ter sido algum dos teus vassalos. Por isso estamos te ligando, Mara. E por favor anda logo que tão acabando os créditos...
- Peraí que meus seis filhos tão me dando dicas... Pô, vamos organizar essa bagunça? Que zona é essa??
Passaram-se alguns instantes...
- Já sei, essa é fenomenal! Ele vai adorar! Bota aí ó: - tuu tuu tuu tuu
Ananda fala pra Buda:
- Putz, a ligação caiu. O sinal da TIM é realmente péssimo! Não pega nem nos reinos do bardo direito. E olha que a matriz é de lá mesmo...
- Fica frio, Ananda. Já tive um insight aqui. Tenta colocar "Aquele que despertou".
- "Aquele que despertou".... tá, acho que ficou legal. Simples e objetivo. Vamos ver se a galera curte.
- Algum recado importante aí?
- Vários pedindo dicas sobre como alcançar a iluminação em apenas um retiro, uns pedindo uns milagres, outros pedindo bênçãos... ah, tem um aqui te convidando pra um jantar. Vai ter carne de porco.
- Ih, já vai preparando um Epocler aí. Tô prevendo uma diarréia daquelas! Vambora então.
- Olha, já tem 35 curtidas na tua biografia!
- Pessoal não tem mais o que fazer a não ser ficar no Facebook né? Ah, uma varada nas costas dessa galera toda...
- Ó Venerável... agora que terminamos podemos tirar uma selfie?
- De novo, Ananda? Vc quer tirar selfie comigo o tempo todo! Já te falei sobre isso mil vezes!
- Ah, só uma vezinha...
- Tá bom, vai. Mas é a última de hoje, ok?
- Combinado. Olha o passarinho.... pronto!
- Ei, eu saí meio piscando... parece que estou com sono. E se as pessoas fizerem imagens e estátuas minhas com essa cara?
- Ah, capaz que vão fazer isso, ó Mestre!
- E essa tua cara sorridente fazendo Hang Loose com a mão... tá uma palhaçada. Apaga isso.
- Ih, eu tirei pelo Instagram e já é a capa do Facebook. Já tão curtindo, ó...
- Esse Facebook vai acabar com todos os meus 40 anos de ensinamento, tô vendo tudo.
- Partiu feijoada?
- Bora!

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A necessidade de penetrar o Caminho através da prática constante

Pessoas comuns acreditam que os estudos trazem as riquezas. Buda Xaquiamuni ensina que na prática há iluminação. Nunca ouvi falar de ninguém que tenha se tornado membro de lideranças milionárias sem estudar, ou alcançado a iluminação sem praticar.
Embora seja verdade que existam diferentes métodos de treinamento, aqueles baseados na fé ou na compreensão do Dharma, na iluminação súbita ou gradual[1], ainda assim, a iluminação depende de um treinamento. Embora a profundidade e a velocidade de compreensão das pessoas seja diferente, o tesouro é obtido através do estudo acumulado. Nenhuma dessas coisas depende dos soberanos serem superiores ou não, ou da sorte ser boa ou ruim.
Se o tesouro pudesse ser obtido sem estudo, quem iria transmitir o método pelo qual antigos monarcas, tanto em épocas de ordem ou desordem, governaram com sucesso o país?  Caso a iluminação pudesse ser sem treinamento, quem poderia compreender os ensinamentos do Tathagata[2], distinguindo, como ele fez, a diferença entre delusão e iluminação? Embora pratique no mundo da delusão, ainda assim é o mundo da iluminação. Então, pela primeira vez, você perceberá que a jangada do discurso é apenas um sonho passado e será capaz de cortar para sempre a visão antiga de conceitos pessoais que amarrava você as palavras das escrituras.
Buda não impõe esta visão a você. Ela aparece naturalmente a partir de sua prática no Caminho, a prática convida a iluminação. Seu tesouro natural não vem do exterior. Uma vez que a iluminação é una  com a prática, a ação iluminada não deixa traços. Portanto, quando olhar novamente a prática com olhos iluminados, você descobrirá que não há ilusões para serem vistas, apenas uma grande nuvem branca de dez milhões de ri[3] cobrindo todo o céu.
Quando a iluminação está em harmonia com a prática, você não pode desmerecer nem mesmo uma simples partícula de poeira. Se agir dessa maneira você se afastará da iluminação tanto quanto o céu está afastado da terra. Se retornar ao seu Verdadeiro Lar, poderá transcender até mesmo a condição de Buda.
Eihei Dogen
(escrito em 9 de março, segundo ano de Tempuku 1234)

[1] A posição de que a iluminação vinha gradualmente como  resultado de leituras de sutras e práticas acumuladas eram mantidas pela Escola Zen do Norte da China. Esta escola terminou e apenas a Escola Zen do Sul, que pregava a realização da iluminação súbita, permaneceu.
[2] Este é outro nome para Buda Xaquiamuni. Significa uma pessoa que alcançou o ir e vir do Tathagata, o que é, a realidade absoluta que transcende a  multiplicidade de formas do mundo dos fenômenos.
[3] Um “ri” corresponde aproximadamente a uma milha

Fonte: https://aguasdacompaixao.wordpress.com/2009/08/21/textos-de-mestre-dogen-10/

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Projeto de Ecovila

Desde meus 16 anos de idade, tenho sonhado com um projeto interessante. Esse projeto foi sendo melhorado, refinado, alimentado durante todos esses anos. Inicialmente eu queria construir uma cidade. Uma cidade perfeita.
Por causa desse sonho, aproximei-me do comunismo, pois o comunismo tem o ideal de um mundo onde todos são iguais, ninguém é mais do que ninguém e tudo é dividido igualmente entre todos. Só que descobri que esse ideal não é bem assim e que precisaria de uma revolução armada para ser conquistado. Então meus planos entraram em choque com esses ideais, pois não queria matar ninguém para poder viver em paz, harmonia e felicidade com todas as pessoas. Isso pra mim era um contrassenso.
Então fui depurando este projeto. Nunca o esqueci. Há cerca de 10 anos, conheci os conceitos de Ecovila e Permacultura. Fiquei impressionado, pois era EXATAMENTE isso que eu queria, e descobri que, como eu, milhares, talvez milhões de pessoas queriam fazer a mesma coisa, ou pelo menos algo parecido.
A partir de então, tenho visitado ecovilas e comunidades alternativas em vários lugares do Brasil. Cada uma com suas peculiaridades, sendo que todas, somadas, constituem uma gigantesca onda de BEM que está aflorando e "contaminando" todos os lugares. É isso.
Meu projeto é basicamente o seguinte:
- Uma área comunitária onde tudo que é produzido seja dividido igualmente na comunidade;
- Construções ecologicamente corretas, usando materiais como tijolo ecológico, adobe (que na nossa região pode ser contra-indicado devido à alta umidade), bambu, superadobe, etc.
- Cada morador da ecovila pode ter uma atividade particular também, como forma de prover seu próprio sustento. No meu caso, um viveiro para produção de produtos orgânicos e ervas naturais;
- A parte mais externa da comunidade, próxima à estrada, pode dispor de lojas ou salas comerciais, onde os moradores podem oferecer seus produtos e serviços à vizinhança e à comunidade em geral;
- Todos os moradores precisam ter uma elevada espiritualidade, não necessariamente pertencendo á mesma religião, ou sequer tendo religião. Precisam ser, sobretudo, éticos. Muito éticos.
- A comunidade não deve ter mais do que uns 20 moradores;
- Todos os moradores devem trabalhar, sendo metade do tempo para seu próprio sustento, e metade do tempo em trabalho voluntário pela comunidade;
- Salvo períodos especiais, não se deve trabalhar mais do que oito horas diárias. Seis horas seria o ideal;
- Pelo menos duas horas de estudo todos os dias;
- Pelo menos duas horas de práticas espirituais, como meditação, cerimônias, etc;
- Um tempo para atividades físicas, como yoga, caminhadas, corridas e alongamentos;
- Dias específicos para atividades artísticas ou oficinas para quem quiser participar;
- Essas atividades são coletivas e comunitárias;
- A comunidade deve ter uma creche e/ou escola;
- Uma oficina ou fábrica de tijolos ecológicos;
- Um centro de eventos com uma sala para 50 pessoas e outra para 200 pessoas, onde podem ser dadas palestras, cursos e também para fazer retiros;
- Alojamentos, pousada, alguns chalés ou hotelaria que comporte uma quantidade maior de pessoas. Essa hospedagem deve ser administrada pela comunidade;
- Refeitório coletivo;
- Praça de lazer;
- Pista para caminhadas;
- Área verde preservada, com trilhas;
- Produção própria de energia;
- Coleta de água da chuva em cisternas;
- Jardins muito bonitos, floridos e bem cuidados. Gramados bem aparados. Lago com peixes, ponte, etc. Um visual que encante os olhos;
- Ruas pavimentadas, limpas e bem cuidadas;
- Doação de área para construção de um TEMPLO; Junto ao templo, um zendô permanente;
- As lojas próximas à estrada podem vender artigos religiosos, souvenirs, alimentos, bem como oferecer serviços como reiki, acupuntura, massoterapia, etc.
- Um centro de eventos coberto, mas aberto, onde possam ser ministrados cursos de permacultura, produção orgânica, yoga e outras atividades semelhantes;

Este projeto está evoluindo constantemente e, espero, em breve sairá do papel;




terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Os 16 Preceitos da Investidura Leiga

Os Três Refúgios

1. Eu tomo refúgio no Buda. 

2. Eu tomo refúgio no Dharma. 

3. Eu tomo refúgio na Sangha.


As Três Resoluções Gerais


1. Eu decido evitar o mal.

2. Eu decido fazer o bem. 

3. Eu decido libertar todos os seres. 



Os Dez Preceitos Cardeais

1. Eu decido não matar, e sim cuidar de toda forma de vida.

2. Eu decido não tomar o que não é dado, e sim respeitar a propriedade alheia.

3. Eu decido não utilizar mal a minha sexualidade, e sim ser cuidadoso e responsável.

4.Eu decido não mentir, e sim falar a verdade.

5. Eu decido manter a minha mente clara, não abusar do álcool ou outros intoxicantes, e nem levar os outros a fazê-lo.

6. Eu decido não falar sobre as falhas de outros, mas sim ser compreensivo e solidário.

7. Eu decido não enaltecer a mim mesmo e desfazer os demais, mas sim superar as minhas próprias limitações.

8. Eu decido não sonegar ajuda espiritual ou material, mas concede-las gratuitamente quando necessário.

9. Eu decido não me entregar à raiva, mas sim praticar a paciência.

10. Eu decido não desrespeitar os Três Tesouros (Buda, Dharma e Sangha), mas sim nutri-los e apoia-los.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

O pote de margarina

A saciedade das necessidades fisiológicas (fome, sede, sexo, ir ao banheiro, etc) produz uma sensação de alívio. Esse alívio pode ser muito útil e benéfico na meditação, pois ele acalma a mente e propicia um estado de paz muito profunda.

Tomando meu café, mantendo plena atenção, ao final sinto a saciedade e minha mente fica completamente calma, limpa, serena. Os pensamentos ficam em um nível mais abaixo. Eles ainda existem, eu os sinto, mas não os escuto mais.
Perfeito samadhi. Completamente presente. Aqui e agora. Aos poucos, cada vez mais intenso, sem esforço, naturalmente, e não há diferença alguma entre eu e a mesa, eu e o pão, eu e o pote de margarina.

Não há eu. Eu sou o pote de margarina. Tudo é o pote de margarina. O universo não poderia existir sem o pote de margarina. E o pote é belo e perfeito, assim como está.

[Algumas horas depois desse insight, caíram algumas 'fichas' interessantes e que julgo importante compartilhar aqui:]

Devemos tratar todos os recursos que temos com respeito. Até um simples pote de margarina. Depois de usá-lo, devemos lavá-lo e separar para reciclagem, ou destinar a um outro uso. Jamais devemos jogá-lo diretamente no lixo. Isso seria uma tremenda falta de respeito com o meio ambiente, com a matéria prima usada, com as milhares de pessoas que foram envolvidas no processo de fabricação e com a própria natureza.

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sábado, 7 de dezembro de 2013

Bolhas de Realidade

O budismo faz uso de vários métodos e alegorias para apontar o caminho da iluminação. São ferramentas que podem funcionar bem para algumas pessoas, e para outras nem tanto. Cabe a nós escolhermos quais ferramentas funcionam melhor para nós mesmos. Entre esses métodos estão a meditação, o kinhin, as prostrações, os mantras, as mandalas, o estudo dos sutras... [etc] e das bolhas de realidade.
Grosso modo, a realidade é uma só. Porém, cada pessoa vai construindo bolhas de realidade conforme suas experiências e hábitos, como cascas de uma cebola. Padrões de pensamento, estímulo e resposta. A psicologia estuda profundamente isso, podendo usar outros nomes, com diversas abordagens diferentes.
Acredite, é você quem cria a realidade em que vive. Ou aquilo que acha que é a realidade.
As bolhas de realidade se interligam, como uma intrincada rede. Eu vou um pouco além da teoria e vou tentar explicar com um insight que tive outro dia:
As bolhas funcionam em diversos níveis energéticos distintos, e podem ser mais sólidas ou mais etéreas, mais compactas ou maiores, presas como rocha ou livres e flutuantes. E cada um de nós escolhe - a cada momento - como deve ser sua própria bolha de realidade.
Imagine uma adolescente que mora em uma favela. Seu pai é bandido, sua mãe prostituta. Tem dois irmãos mortos pela polícia e um terceiro é traficante. Para salvar a vida de seu irmão já teve de se prostituir também. Não tem dinheiro para sair desta vida, não tem esperanças, vive com medo em um mundo onde todos brigam, se matam, fogem, usam drogas, só pensam em sobreviver mais um dia. Não há qualquer esperança de poder sair desta realidade, não há luz no fim do túnel. Se ela fugir, não poderá ir longe pois não tem dinheiro. Irão encontrá-la e poderão até matá-la. Seus namorados a traem e a usam para transportar e vender drogas. Ela não vê qualquer possibilidade de sair desta bolha de realidade e acha que a vida é somente isso mesmo, viver o dia de hoje, sem sequer sonhar com o amanhã.
Esta seria uma bolha de realidade tão sólida, tão pequena, tão intrínseca, que seria comparável a um átomo de algum metal pesado incrustado em uma rocha, uma molécula extremamente densa e sem movimentos.
Agora imagine um eremita yogue em uma choupana em alguma montanha. É completamente livre para fazer ou deixar de fazer o que quiser. Ninguém lhe oportuna, e mesmo quando está em contato com outras pessoas, nada o perturba. Ele sente a maravilha da vida a cada momento, a cada respiração. Está completamente uno com o universo, com a natureza. Tem apenas uma tigela e um roupão e isso lhe basta. Após ficar algum tempo em uma choupana, simplesmente deixa-a livre para outro eremita e segue sua viagem para qualquer outro destino. Alimenta-se do que a natureza lhe oferece, bebe água pura, respira ar puro e os problemas da humanidade não lhe afligem. Pelo contrário, está sempre solícito a ajudar a quem precisar, sem nada pedir em troca.
Sua bolha de realidade é tão etérea, tão grande e flutuante que a qualquer momento parece que irá se romper - o que seria alcançar o Nirvana, a iluminação total.
Todos nós construímos bolhas de realidade nas quais operam os EGOS que temos: a bolha 'funcionário exemplar extremamente dedicado, estressado e sem tempo para nada', 'mãe amorosa que vive para cuidar da casa, das roupas, dos afazeres domésticos e não tem tempo para si mesma', 'cara que gosta de música pesada, se veste de preto e se entucha de rebites', 'homem falido que não tem dinheiro para pagar as contas e vive com o nome no SPC, sempre correndo atrás do próprio rabo', e por aí afora.
Cada conjunto de egos cria uma bolha de realidade própria. Nós oscilamos entre uma bolha e outra, às vezes várias vezes por dia. Porém, A FREQUÊNCIA dessas bolhas somos nós que escolhemos.
A qualquer momento, aquela moça da favela pode decidir simplesmente ir embora dali, ir para bem longe, começar uma nova vida, trabalhar, ganhar seu dinheiro, casar com um cara bacana e ser muito feliz. Ela não vai porque tem medo que matem seu irmão, que sua mãe enlouqueça, que seu pai vá à caça dela, etc, etc. Ela acaba não vivendo a sua própria vida, pois está ocupada demais fazendo aquilo que os outros querem que ela faça, com medo do que pode acontecer se ela não o fizer. Isso é a mais pura insanidade.
As bolhas operam em frequências distintas. Quanto mais alta a frequência, maiores, mais finas e livres são as bolhas. Quanto mais baixa, menores, mais densas e sólidas. Embaixo fica a rocha, no meio a terra, a água e em cima, o ar. Simples assim, como a natureza.
E você? Em qual frequência estão suas bolhas de realidade? Você sabe que pode mudar a frequência quando desejar? Algumas pessoas não irão gostar disso, mas, sinceramente, o que é mais importante? Agradar as outras pessoas ou tratar de ser feliz, vivendo como você quer viver e sendo quem você realmente é?
Nos níveis mais altos passamos a perceber que tudo isso faz parte de uma coisa só. As bolhas de realidade são ilusões da nossa mente. Elas não existem. São meras associações mentais. Achamos que são a realidade e acreditamos firmemente nisso, até percebermos que não era bem assim, e que sempre foi muito fácil sair dessas bolhas, bastava apenas mudar a nossa frequência e tomar a decisão de sair. Quando saímos, parece que na realidade elas nunca existiram. E na verdade nunca existiram mesmo, pois somos todos UM, uma mesma vida, uma mesma vibração, apenas manifestações diferentes de uma mesma luz. Nada além disso.
Quando percebemos essa grande realidade (o que acontece em um kenshô ou em um satori), passamos a desejar profundamente libertar todos os outros seres humanos desta grande prisão coletiva e insana que são as bolhas de realidade, para que todos possam também viver na verdadeira realidade e compreender que todos somos parte de um mesmo todo, absolutamente maravilhoso e pleno de felicidade.