quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Só sei que nada sei

Para quem algum dia ler estas páginas,

Quero deixar claro que aqui registro alguns momentos de insight, algumas impressões e opiniões próprias. Como ainda não atingi a iluminação, todos esses registros são apenas folhas ao vento. Não possuem qualquer importância.

Se essas palavras puderem beneficiar alguém, ótimo, mas não tenho nem de longe a mínima intenção (nem me sinto na permissão) de representar a verdade, porque ainda não a conheço em sua totalidade.

Provavelmente, ao avançar no meu caminho espiritual, chegará o dia em que simplesmente apagarei todas essas palavras vãs. Enquanto isso, espero que alguém faça bons proveitos.

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Pra quê "iluminômetro"?

Uma brincadeira interna entre os budistas é estudar os 10 passos do boi e tentar imaginar em qual passo está.
No primeiro passo temos um monte de dúvidas, ficamos comparando os ensinamentos com outras filosofias, outras idéias, perguntamos muito, etc.
No segundo passo já temos uma vaga noção do que é o caminho. Já temos um samadhi, já conseguimos manter nossa mente alerta em alguns momentos.
No terceiro passo temos uma experiência maior. São os insights. Podemos até ter um kenshô, mas não temos certeza. Só um mestre pode reconhecer um kenshô, aí o aluno estará no quarto passo, e daí por diante.
Tudo isso é interessante, mas não tem importância alguma. Não muda nossa prática. Tanto faz se estivermos no primeiro ou no sétimo passo, da mesma forma temos que praticar muito, ter uma dedicação muito grande, meditar muito, observar atentamente todos os preceitos tomados. Há muito o que aprender, há muito a explorar.
Mesmo quem já atingiu o satori, quem está iluminado, não dará grande importância ao 'iluminômetro'. Lembram daquela historinha?
O discípulo estava varrendo as escadas quando repentinamente vai correndo ao mestre:
- Mestre, mestre, atingi a iluminação!
- É mesmo? Que bom. Agora volte a varrer as escadas.

O 'iluminômetro' apenas cria uma falsa sensação de orgulho. 'Tenho mais virtude que os outros'. 'Estou mais avançado'. Esses pensamentos são venenosos, são perniciosos, já comentei sobre isso em meu post anterior. Não há um outro a quem possamos nos comparar. Não podemos estar melhores do que outro praticante. Pelo contrário, devemos ajudar todas as pessoas que ainda não conseguiram a mesma compreensão da realidade.

Cuidado com o Virtuosismo

Uma armadilha muito grande para quem está praticando um caminho espiritual é o fato de querermos ajudar as pessoas.
Quando ajudamos alguém, sentimo-nos bem. ESSE PODE SER UM PERIGO. Como na música de Raul Seixas, 'o meu egoísmo é tão egoísta que o auge do meu egoísmo é querer ajudar'.
O fato de nos sentirmos VIRTUOSOS, ao ajudar quem quer que seja, levanta um camuflado sentimento de orgulho. Somos bons. Somos melhores do que os outros. Há um sentimento de superioridade. Precisamos ter muita atenção a esses sentimentos, pois eles se escondem, se camuflam, e são um veneno para a prática.
A correta virtude deveria ser como atirar uma pedra em um lago, e esta pedra não produzir nenhuma onda. Enquanto nos orgulhamos de ter ajudado alguém, há uma separação entre eu-alguém, e isso é dualidade, é ilusão.
Usando um exemplo de Thich Nhat Hahn, quando lavamos a mão esquerda com a direita, a mão direita sente orgulho? Envaidece-se? Não, é um ato absolutamente normal, natural.
Ajudar também deve ser um ato tão normal, tão natural que não deve promover nenhum 'vento' em nossa mente. Nem um vestígio de pensamento. Devemos ajudar porque essa é a nossa mais profunda natureza. Não estamos ajudando a 'um outro', não há 'um outro' a ajudar. Até a palavra 'ajudar' remete a uma dualidade. Devemos ajudar sem sequer pensar que estamos ajudando, sem sequer termos consciência disso. É nossa natureza.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Meditar na Rodoviária

Quem precisa viajar bastante, qualquer que seja o motivo, tem uma oportunidade muito grande de praticar o Dharma. As longas esperas em rodoviárias e aeroportos são perfeitas para sentar, acalmar a mente, observar as pessoas, coisas e movimentos à sua volta e meditar profundamente.

A mente fica pulando, julgando e classificando as coisas do jeito dela. Em um determinado momento, ela se cansa, e vem aquela sensação de paz e a conexão com o aqui-agora. Um pouco depois, uma conexão maior, e então temos o Samadhi.

Mesmo em Samadhi, continuamos julgando e classificando as coisas, porém de forma mais silenciosa. Momento de não desistir, não se deixar levar pela torrente de pensamentos que insiste em aflorar à mente. Manter-se no aqui-agora.

Repentinamente, uma conexão maior e percebemos que não há diferença alguma entre as pessoas, todas estão apreensivas, com angústia, esperando seu momento de embarcar. Como prisioneiras, aguardando a porta se abrir. Sentem saudade de seus entes queridos, ficam remoendo acontecimentos do dia. Possuem esperanças e sonhos. Estão em qualquer lugar, menos ali mesmo. No passado ou no futuro, mas não ali no presente. De vez em quando lembram-se de olhar para o relógio, conferem sua passagem, aguardam ser chamadas e voltam ao sonho.

E você também tem os mesmos sentimentos e angústias. Não é diferente das pessoas ao seu redor. Não é melhor nem pior. Aflora-se um profundo sentimento de compaixão por todos os presentes. Você os entende, sabe o que estão sentindo. Quase pode sentir o coração de cada um batendo, como se fossem o seu mesmo. A planta na floreira quebrada um dia morrerá, será jogada fora, virará adubo e nutrirá outra planta, quem sabe uma alface, e quem sabe você sem saber irá comer esta alface, e ela irá fazer parte de seu corpo. Não há diferença entre você e a planta na floreira, ela um dia fará parte do corpo de um ser humano. Deviam tratá-la com mais respeito e dignidade, trocando a floreira, revolvendo e adubando sua terra.

Todas as pessoas ali presentes deveriam ser tratadas com mais respeito e dignidade. Aliás, deveriam SE tratar melhor. São semelhantes, partes de um mesmo todo. Deveriam se ajudar mais, oferecer o lugar, compartilhar alimento, ceder a vez na fila, ajudar alguém a subir no ônibus. São coisas tão básicas... como as pessoas ficaram tão desligadas umas das outras?

Enfim, estar em uma rodoviária movimentada, cheia de gente, é uma excelente oportunidade de aprendizado, compaixão e prática da verdadeira solidariedade.