quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Decifrando a mente #8 - o fracassado

 


Outro ator importante dentro do estudo da mente é o Fracassado. Ele é composto por vários outros aspectos: o sabotador, o incauto, o procastinador, o porra-louca, enfim, todos os agentes que nos levam, de uma forma ou outra, a fracassar miseravelmente em qualquer empreitada.
O Fracassado tem uma origem cultural: nós somos ensinados a sermos fracassados. Aprendemos a nos auto-sabotar, a procrastinar, a começar coisas e deixar pela metade, a não finalizar corretamente, a ficar começando coisas o tempo todo sem dar sequência, a não ter persistência.
Mesmo dando continuidade aos projetos, às vezes decidimos por caminhos que acabam trazendo mais problemas do que soluções. Entramos em projetos duvidosos sem as devidas precauções. Acreditamos nas pessoas menos confiáveis. Compramos histórias mirabolantes e decidimos que podemos subir uma montanha calçando sandália de dedo.
Existe um gatilho que dispara o fracassado: a autocomiseração. Ser o coitadinho. E isso vem de berço: quando ainda estávamos engatinhando, tentávamos empilhar alguns brinquedos e, quando a pilha caía, nós chorávamos. Ao nos ver chorando, mamãe nos pegava no colo e nos acalentava. Aprendemos que o nosso fracasso gera uma reação acolhedora. Aprendemos que o fracasso nos proporciona prazer. Fracasso gera dopamina. Se eu não consigo cortar a carne, mamãe corta pra mim, então nunca vou me esforçar para aprender a cortar a carne direito, pois quero ter sempre a atenção da mamãe. Se eu não fracassar e chorar, posso conseguir fazer, mas não vou ganhar colo, e o colo é mais importante que a vitória.
Isso aconteceu lá na primeira e mais tenra infância, mas ficou gravado para o resto da vida. Fomos crescendo e, em algumas circunstâncias, isso foi continuando. Como adultos, talvez o extremo desse ator possa ser visto nas sinaleiras, mendigando: quanto pior, quanto mais mal vestido, mais sujo, mais deplorável, melhor. Mais as pessoas sentirão pena e, assim, mais dinheiro darão em forma de esmolas. A pior forma possível de fracasso é recompensada pela solidariedade, pelo sentimento de pena dos outros, ou até pela sensação de "aqui está seu dinheiro, agora suma da minha frente". As pessoas pagam para não ver a miséria. 
O Fracassado nesse caso é, geralmente, um adulto mimado em excesso. Não posso comer um chocolate, então eu choro, assim mamãe me dá o chocolate. Quando adulto, seguimos chorando e lamentando, pois aprendemos que é o caminho pelo qual conseguimos mais facilmente alguma recompensa por algo que não merecemos. Mas isso tem um custo: seremos sempre medíocres, pois nos contentamos com o prêmio de consolação. Falharemos de propósito, inconscientemente.
Claro que essa não é a única causa da pobreza, da miséria, da situação de vulnerabilidade. Estou abordando somente o fracassado profissional, aquele que aprendeu a ser fracassado de berço.
O Fracassado faz uso de várias artimanhas para jamais conseguir vencer em alguma coisa. Começa a ler um livro e não termina. Começa uma reforma que nunca tem fim. Aquela arrumação do quarto ainda tem caixas empilhadas há dois anos. As panelas ficam no fogão para serem lavadas no dia seguinte. Não dá pra passear de bicicleta pois é preciso consertar o freio, mas vou fazer isso amanhã. Estou escrevendo um artigo, mas ainda não finalizei porque acho que ainda não está bom o suficiente. Não alcancei as metas de vendas porque deixei para ligar para os clientes na última semana e não deu tempo de ligar para todos. Aquela parede ficou pintada pela metade porque eu ia terminar no dia seguinte. Comecei um negócio com um amigo (que conheci recentemente), mas ele me passou a perna e levou todo o meu dinheiro. Não posso processar meu inquilino porque não assinei contrato de aluguel. Resolvi me candidatar a vereador mas perdi, porque troquei de partido duas vezes no ano. Abri uma farmácia, mas resolvi transformar em padaria, depois em oficina de motos e agora é uma corretora de seguros, mas nada dá certo porque não persisto no mesmo ramo.
Enfim, o fracassado é um ator mental de origem cultural. Ele aprendeu a sabotar todo e qualquer empreendimento, por mais simples que seja, pois espera ter a pena das outras pessoas como recompensa. Ele interfere no nosso processo mental inserindo frases como "não vai dar certo", "nem tente", "depois faço isso" em todas as resoluções que passem pela crítica da mente. Nesse ponto, precisamos distinguir entre o fracassado e o cauteloso: ter cautela é fundamental em todos os aspectos. O cauteloso caminha, um passo de cada vez, e às vezes volta um ou dois passos para trás para continuar prosseguindo por um caminho mais seguro, mas o cauteloso não para, ele segue até conseguir alcançar seu objetivo. O problema é desistir de tudo o tempo todo, esperando que os outros sintam pena.
 






Decifrando a mente #7 - a tela mental

 



Uma função muito interessante que temos é a nossa "tela mental". Ela é um sistema de retroalimentação, quase um setor de audiovisual disponível na mente e usada por todos os atores que estamos descrevendo.

A tela mental é bastante complexa. Ela pode até criar cenários incríveis, em 3D e coloridos, como em nossos sonhos lúcidos, que podem ser tão reais que não conseguimos distinguir se estamos sonhando ou se estamos acordados. Ela é usada pelo macaco louco, pelos gerentes e até pelos estagiários do piloto automático. Também é usada pela nossa consciência e está sendo usada agora, nesse momento, enquanto você lê esse texto, pois se eu sugerir: "imagine um gramado bem verde com árvores e o mar ao fundo", você provavelmente deve ter criado e projetado essa cena em sua tela mental.

Nossa mente se retroalimenta daquilo que é projetado na tela mental através das percepções, como já vimos antes. Nós interagimos com essa projeção. Somos capazes de andar dentro dos nossos sonhos e de conversar com pessoas que só existem em nossa mente. As alucinações são distúrbios perceptivos nos quais não conseguimos distinguir se o que estamos vendo é real ou não.

As viagens astrais, sonhos lúcidos ou projeções da consciência, ocorrem integralmente dentro de nossa mente, sendo tão reais e perfeitas que acreditamos firmemente terem sido reais. Nesse ponto precisamos abrir parênteses: Nossa mente é capaz de perceber questões muito sutis, muito além da nossa percepção normal. Somos capazes de acessar informações, memórias e fatos que estão em um nível mais sutil e mais amplo, mas nossa mente tem dificuldade em entender o que está vendo e interpretar de forma correta. Dessa forma, ela cria uma projeção que procura traduzir a informação acessada dentro de alguma alegoria que conseguimos entender, que faça sentido dentro dos nossos referenciais. Então, sonhamos que estamos em uma montanha flutuando, conversando com um sábio em forma de unicórnio que nos diz uma determinada frase que parece conter toda a sabedoria do universo e, conforme vamos acordando, percebemos que nada disso faz realmente muito sentido. A questão é que talvez tenhamos mesmo acessado uma informação sutil muito importante, mas nossa mente criou todo um cenário com elementos que tentam, de alguma forma, materializar aquilo que foi percebido. Isso tudo é jogado como um filme em nossa tela mental e, depois, tentamos lembrar dos detalhes do que foi sonhado, sendo que a maior parte da informação original é perdida, pois parece simplesmente não ter nenhuma lógica.

Podemos também ter sonhos premonitórios: Nossa mente acessa uma área sutil de probabilidades e percebe que algo pode realmente acontecer. Então ela precisa de um agente que traga essa informação, alguém em quem confiamos e que consideramos ser protetores: um pai, uma mãe, um irmão mais velho, um mestre, um guru ou santo. A mente cria todo um cenário, com esse ator, interpretando um personagem nos avisando sobre o que está para acontecer. Esse sonho nos parece tão real que acreditamos realmente que essa pessoa veio até nós, que estamos mesmo falando com espíritos. Mas é tudo criação da mente, mesmo que em cima de algo sutil que realmente venha a acontecer. Aquilo que entendemos como "mediunidade" é justamente isso: acessamos de verdade uma área sutil e nossa mente cria atores e cenários que encenam essa informação. 

Ao estudarmos a mente com profundidade, vamos aprendendo a lidar com a tela mental, distinguindo melhor o que é ou não real, o que é ou não pura criação ou interpretação da mente. Vamos nos familiarizando com essa projeção e aprendendo com ela e, em um estágio bem superior, vamos entender que mesmo as projeções que são reais, na verdade, também são criações da nossa mente em cima daquilo que nossos sentidos captam. Por exemplo, quando vemos uma casa, nossa mente projeta essa mesma casa em nossa percepção, usando a tela mental. Mas não estamos realmente vendo AQUELA casa, e sim, uma projeção mental criada em cima daquela casa que nossos olhos estão enxergando. É uma casa, mas não é bem AQUELA casa. É outra coisa, é uma criação mental. Por fim, transcendemos a tela mental e entendemos que, enfim, aquela casa não é uma casa, mas é uma casa, e tudo bem. E nos divertimos com isso. O tempo todo, para tudo o que olharmos, acordados, alucinados ou dormindo.


Decifrando a mente #6 - o narrador

 


Outro ator importante da nossa mente é o narrador. Ele é quase uma extensão do macaco louco, mas tem umas funções um pouco diferentes.
Enquanto o macaco louco passa o tempo todo varrendo a memória atrás de coisas que podem ser interessantes, o narrador fica repetindo frases ou traduzindo aquilo em que pensamos.
Quando abrimos a janela e vemos um lindo sol nascente, o narrador descreve: "está um belo dia lá fora e o sol está nascendo". Ao prepararmos arroz para o almoço, o narrador lembra: "para cada porção de arroz, são duas porções de água". Quando estamos lendo algum texto, o narrador lê esse texto "em voz alta" para a gente. Aliás, um dos métodos de leitura dinâmica consiste justamente em calar o narrador enquanto lemos, afinal, nós captamos o significado do texto muito mais rápido do que nossa capacidade de "ler" o mesmo texto mentalmente.
O narrador pode também exercer funções como um tradutor para outros idiomas. Dessa forma, ao lermos as palavras "the book is on the table", ele traduz para "o livro está sobre a mesa". Como na leitura dinâmica, o aprendizado de outros idiomas também busca "calar" o narrador para que entendamos o significado do texto sem tentar traduzi-lo mentalmente.
O narrador fica lendo placas, outdoors, fica cantando músicas, enfim, ele traduz em palavras tudo o que estivermos pensando ou percebendo no momento. Isso pode ser útil quando estamos repetindo coisas para não nos esquecermos depois, mas na imensa maioria do tempo, ele apenas gasta energia mental e atrasa nosso pensamento, nossas percepções e nosso entendimento. Imagine um computador que precisa fazer um determinado cálculo e, para cada função, ele precisa parar e narrar o que está fazendo. É uma imensa energia desperdiçada sem qualquer necessidade prática.
O narrador tem suas funções no nosso dia a dia e pode até ser útil às vezes, mas, assim como o macaco louco, ele pode perfeitamente ser desligado e guardado na caixinha até o momento em que ele seja útil para alguma coisa. Se conseguirmos fazer isso, teremos liberado uma energia gigante para nosso cérebro, e não é tão difícil assim silenciá-lo. 
Quando estamos praticando shamata pura, ou zazen, o narrador fica em silêncio. Ele se cala quando estamos atentos no momento presente com a mente perceptiva. Assim, vamos aprendendo a silenciar o narrador e a acalmar o macaco louco, liberando energia para nossa consciência, como veremos nas nossas próximas postagens.

Decifrando a mente #5 - o macaco louco

 


Nossa mente é muito complexa e fantástica. Possui certos atores (ou funções) que beiram a insanidade. Um desses atores é o que chamo de "macaco louco".
Essa figura tem uma função bastante questionável: fica o tempo todo jogando coisas na mente, aleatoriamente, às vezes sem qualquer conotação com coisa alguma que esteja acontecendo no momento.
O macaco louco busca fragmentos de memória, frases desconexas, imagens bizarras, antigas lembranças de aromas, gostos ou sons, músicas, nomes, emoções, desejos, lugares, bem como tarefas e coisas a fazer, enfim, qualquer coisa que esteja armazenada em nosso cérebro, e joga em nossa tela mental. Sem sentido, sem causa prévia. Apenas sorteia alguma coisa e traz à tona. Um flash instantâneo que é transportado para nossa tela mental.
Acontece que nossa tela mental alimenta a nossa percepção. Então, aquele fragmento de memória ou frase aleatória é percebido pela nossa mente, podendo dar origem a uma corrente de ideias, capaz de ocupar nosso cérebro por horas. Também pode ser considerado inexpressivo ou sem importância e ser simplesmente descartado como lixo mental.
O macaco louco é responsável por manter nossa memória ativa, revivendo situações e sentimentos que estavam guardados há muito tempo. Pode ser útil para nos lembrar de pessoas e sensações das quais já havíamos nos esquecido.
Ele também fica tocando música na nossa rádio mental, recitando frases e versos que podem ou não fazer algum sentido, insistindo em palavras que não lembramos o significado e repetetindo nomes e títulos que podem existir realmente ou não.
Uma característica secundária da atividade insana desse ator é o fato de que, às vezes, lembramos de coisas importantes para fazer e, de repente, ele nos traz outro assunto à tona, nos fazendo esquecer completamente daquilo que era importante antes. Ele nos distrai. Aí ficamos tentando lembrar: o que é mesmo que eu ia dizer ou fazer? Por vezes, nem lembramos que havia algo importante a ser dito ou feito. Seguimos distraídos.
Durante as práticas de meditação, aprendemos a silenciar ou pausar o macaco louco, inicialmente por poucos segundos, depois por períodos maiores. Quando isso acontece, ocorre um imenso sentimento de paz e alívio, afinal, é como termos um papagaio em nosso ombro falando ininterruptamente o dia inteiro e que, de repente, esse papagaio se cala. É exatamente a mesma sensação: um silêncio, uma paz, um vazio revigorante que nos traz novamente ao momento presente.
Mas o macaco louco não fica calado por muito tempo. Ele continua com as funções dele. Mesmo com estágios mais avançados de domínio da mente, ele estará sempre lá, abrindo caixas e jogando tudo o que tiver dentro para fora, sem parar. Só que mais baixinho, talvez não tão rápido.
Em um estágio ainda mais avançado, se torna realmente divertido ficar assistindo as desastradas trapalhadas do macaco louco e todas as coisas incríveis que ele consegue desencravar dos recônditos mais esconsos do nosso cérebro. Mas, nesse momento, temos o controle total para mandá-lo de volta para a casinha, de onde ele apenas acena as mãos de vez em quando.
Nesse ponto, vale entender que distração é diferente de diversão. O macaco louco nos distrai. A atividade incontrolável do macaco louco é a origem do TDAH e de outros transtornos de atenção. Mas podemos manter o foco e apenas nos divertir com suas peripécias, sem esquecer daquilo que realmente é urgente ou importante a ser feito. A medicação nos ajuda a acalmar e calar o macaco louco, mas a meditação nos ajuda a olhá-lo de forma divertida, sem que nos atrapalhe.