terça-feira, 14 de outubro de 2025

21 semanas #6 - Shamata pura na vacuidade



Após já termos praticado Shamata pura e também ter meditado sobre o Prajnaparamita, nesta semana vamos fazer as duas coisas juntas: estar presentes na vacuidade.

#14/10, terça feira: entrando rapidamente em estado de presença, também rapidamente percebemos a vacuidade de todas as identidades e fenômenos. Após contemplar por alguns minutos, surge a dúvida: é a mente que cria o vazio ou é do vazio que surge a mente?


segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Decifrando a mente #10 - os mapas mentais


A parte mais importante do estudo do funcionamento da mente são justamente os nossos mapas mentais. São eles que definem nosso humor, nossa motivação e como todo o resto da mente deve operar. São os óculos utilizados por todos os atores para que cada um decida o que deve fazer com a informação que possui. Como são vários os atores, é claro que essas instruções podem ser contraditórias.

Os mapas mentais funcionam a partir de uma identidade. Temos infinitas identidades que procuram rotular "eu sou isso" ou "eu sou aquilo". As identidades são como infinitos reis que mandam em um castelo, mas o castelo só tem um trono e os reis se sucedem infinitamente para ocupar o lugar de comando. Assim que senta no trono, a identidade busca se solidificar, atraindo coisas que a sustentem, divulgando a todos as suas incríveis qualidades, afastando todas as ameaças a seu poder e combatendo todos aqueles que a contrariem.

Como todos os reis, cada identidade possui seus mensageiros que vão comunicar a todos os ditames do imperador, bem como exaltar e divulgar sua inegável majestade. Também possui um conselho de sábios que vão trazer informações e um séquito de operários que construirão monumentos para mostrar para todos os povos do planeta a sua magnificência. É claro que também terá um exército muito hábil em defender o seu reino e caçar a todos que possam representar alguma ameaça.

Mas cada identidade permanece no trono de comando apenas por muito pouco tempo. Logo são substituídas por outra identidade, com seus próprios atributos, qualidades, medos e raivas, conselheiros, séquitos e exércitos.

Eu gosto de pensar nessa alegoria dos milhares de reis que moram em um castelo com apenas um trono. Acho mais fácil de entender do que o javali, o galo e a cobra usados por Buda para descrever a mesma coisa: as bolhas de realidade. São apenas alegorias diferentes, mas o significado é o mesmo.

As bolhas de realidade são recortes toscos e distorcidos da realidade que nos cerca. O tempo todo, vemos apenas um aspecto bastante limitado e obtuso da realidade, totalmente influenciado pelos referenciais e pela identidade do rei que está no trono, ou pelo javali.

Mas os mapas mentais não são constituídos apenas pelas bolhas de realidade. Eles também dependem do estado emocional vigente, ou melhor, da paisagem mental em que estamos operando no momento. Buda descreveu essa paisagem mental usando a alegoria dos seis reinos: Reino dos deuses, dos semi-deuses, dos humanos, dos animais, dos seres famintos e dos infernos. Particularmente, não consegui imaginar uma descrição melhor, então vou manter essa mesma. 

As características dos seis reinos é amplamente abordada em uma vasta literatura e acho desnecessário tentar explicar algo que tem tanta bibliografia a respeito. Basta dar uma pequena pesquisada em qualquer fonte minimamente confiável. 

Então concluímos que o mapa mental vigente é formado pela bolha de realidade e pelo reino em que se encontra a mente em cada instante, incluindo ainda fatores como a energia disponível e a motivação. Tudo isso junto vai definir o óculos com o qual cada ator vai olhar para aquilo que está sendo percebido ou pensado no momento. A cor do óculos vai indicar qual a carta que cada estagiário vai escolher para responder ao estímulo que a mente está recebendo, por exemplo.

Mas quem controla os mapas mentais? Qual o ator que comanda essa parte da mente que define o que deve ser feito por todo mundo? Quem é o comandante do setor mais importante da mente?

Em um primeiro momento, pensei que era a consciência, pois ela tem o poder de mudar o mapa quando desejar. Mas ela também é influenciada. Se ela não agir ativamente por vontade própria, vai seguir o roteiro do mapa atual passivamente. Então há outro ator que comanda o mapa mental, mas ainda não sei identificar quem é.

Buda representa esse ator como sendo Maharaji, uma manifestação de Mara. É ele que comanda a roda da vida, mudando os reinos onde estamos e trazendo as bolhas de realidade para o trono. Como não consigo imaginar outra resposta melhor no momento, vou manter essa mesma alegoria. Mara é o rei do Samsara, é ele que cria Dukkha e Maharaji é a parte dele que comanda a nossa mente, se não estivermos conscientes. 

Então, na falta de um entendimento melhor, concluímos que Maharaji é quem define os mapas mentais que influenciarão todas as decisões tomadas pela nossa mente. A seguir, veremos um aspecto que não é abordado nos cinco skandas: as respostas de corpo, fala e mente.


 

21 semanas #5 - Prajnaparamita

 


Um dos pilares centrais do budismo Mahayana é o Prajnaparamita. Entendemos que tudo o que existe é construção da nossa mente. As coisas não são como parecem, nem como imaginamos que elas sejam. As coisas não possuem uma realidade intrínseca sólida. Nada que existe possui uma identidade, tudo é vazio de uma identidade intrínseca. Tudo é vacuidade. Nossa mente mora na vacuidade e é desse vazio que projetamos tudo o que percebemos ao nosso redor, mas as coisas não são como percebemos. 

O mantra do prajnaparamita sugere que estamos em uma margem e precisamos atravessar para a outra margem. Por isso a alegoria de um barco. Nesta margem, vemos as coisas com a projeção da nossa mente: casas, árvores, automóveis, pessoas, montanhas. Tudo parece ser normal. Durante a travessia, vamos percebendo que tudo isso é criado em nossa mente a partir de um vazio luminoso. Ao chegarmos do outro lado, entendemos que tudo o que existe é vacuidade. Atravessamos completamente e repousamos na vacuidade. É isso que quer dizer o mantra: GATE GATE PARAGATE PARASAMGATE BODHI SWAHA.

Uma árvore não é uma árvore. É um conjunto de incontáveis coisas que formam aquilo que nossa mente rotula como árvore. E mesmo cada um de seus componentes, em si, não são esses componentes. Eles também são vacuidade, eles também não possuem uma identidade. Nada que vemos ao nosso redor é como pensamos que é.

Um edredom dobrado em cima da cama não é um edredom. É um amontoado de fiapos trançados e costurados com um recheio de fibras. Se olharmos no microscópio, não existe edredom em lugar algum. Nem as fibras, nem os fiapos. Só há vazio, algumas moléculas que se conectam com outras de uma forma ligeiramente organizada, sendo que seu conjunto completo cria uma forma que nossa mente, de acordo com seus referenciais, interpreta como "edredom". Então, aquele edredom não é um edredom. Não existe edredom, mas a nossa mente cria a ideia de um edredom a partir do vazio luminoso onde opera e a projeta sobre aquilo que nossos olhos estão vendo. O edredom só existe na nossa mente. Para uma traça, aquilo não é um edredom, é comida, porque os referenciais da traça são outros. Para um pássaro, é uma fonte de material para se fazer um ninho. Para um cão, é um brinquedo pronto para ser destruído. No momento em que nossa mente enxerga o edredom, ela deixa de ser capaz de ver o vazio luminoso que há por trás dele. O prajnaparamita é a sabedoria que nos permite perceber a vacuidade em tudo o que existe. Forma é vazio, vazio é forma, nada mais.  

#06/10/25, segunda feira: refúgio, linhagem, motivação, shamata, methabavana. Cinco minutos observando o edredom à minha frente e mais cinco minutos contemplando. A compreensão do prajnaparamita ainda está em um nível bastante racional, apesar de presente durante todos os dias, quase o tempo todo.

#07/10/25, terça feira: voltei o prajnaparamita para mim mesmo. Eu sou apenas uma construção da minha mente. Um amontoado de células que acredita ser alguém ou alguma coisa. Um corpo vivo que pensa ter uma identidade.

 


quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Decifrando a mente #9 - energia

 


A mente funciona como um poderosíssimo e extremamente complexo computador. Como tal, é óbvio que ela precisa ser alimentada por uma fonte de energia.
Mas a energia que faz a mente funcionar possui alguns diferenciais. Não é apenas energia elétrica pura. Ela tem impulsos que nos movem e que definem o caminho que devemos seguir. Esses impulsos (cármicos) são tão fortes que é muito difícil conseguirmos resistir a eles.
O exemplo mais simples é o impulso sexual. Podemos estar fazendo qualquer coisa e, por qualquer ou nenhum motivo, do nada sentimos um fogo que simplesmente incendeia tudo pela frente. O corpo imediatamente se aquece, a visão e a audição se turvam e ficam focadas apenas naquilo que despertou nosso desejo. O corpo manifesta ereção e lubrificação, nossa respiração fica mais ofegante, nossas mãos suam. E todas as nossas ações passam a tentar levar a cabo a satisfação imediata do desejo sexual. Surge uma energia fenomenal que nos permite grandes esforços físicos e, após a satisfação, no homem, a energia simplesmente cessa, permanecendo ainda latente na mulher por mais alguns minutos. Devido ao desgaste energético, precisamos parar, descansar, acalmar a respiração e os batimentos cardíacos, e nos vestir ou cobrir novamente, pois a temperatura do corpo volta para o normal. Sentimos frio com bastante rapidez. Logo depois nos sentimos fracos, satisfeitos mas com baixo nível de energia. Precisamos nos alimentar, beber água, respirar e fazer atividades com menor gasto energético para recuperarmos o nível normal das nossas baterias internas, o que pode levar até algumas horas.
Outro exemplo é a raiva: lembram do javali, do galo e da cobra? Se alguém fere o nosso javali (nos ofende, insulta ou provoca), a cobra salta em sua defesa. A energia simplesmente aparece. O sangue sobe à cabeça, ficamos enrubescidos, crispados, prontos para atacar. A raiva também ofusca a nossa visão e turva nossos pensamentos.  Passamos a discutir selvagemente, por vezes de forma completamente irracional. Acabamos tomando ações de corpo, fala e mente que agridem, ferem ou até matam. Depois da briga, voltamos ao normal e percebemos que perdemos completamente a razão. Dissemos ou fizemos coisas que não deveríamos e então colheremos as consequências disso. Poderemos estar feridos, arrependidos, humilhados. Poderemos perder amigos, oportunidades, arranjar problemas sérios, inimigos e sofrer vinganças. Sim, nossas ações sempre geram consequências.
Diferente da raiva, também temos a ira: uma mãe que está passeando na rua com sua filha, de repente percebe que a menina se solta e tenta atravessar a rua, sendo que um carro está vindo e vai atropelá-la. A mãe simplesmente salta e puxa a sua filha de volta, em uma ação irada que ela mesma jamais pensaria ter capacidade física para realizar. A energia simplesmente apareceu. Ela seria capaz de pular um muro de dois metros de altura. Levantaria um tronco de mais de cem quilos. Ela quebraria um pescoço com as próprias mãos para salvar sua filha e, nesse caso, não seria por raiva, mas pela ira. A ira salva, enquanto a raiva mata. São energias diferentes, igualmente intensas, mas diferentes.
O medo também é outro tipo de energia. Ele pode simplesmente nos paralisar. Não conseguimos falar nem nos mover. Ficamos atônitos e imóveis até o perigo passar. Mas também pode nos dar uma energia descomunal para a fuga. Corremos mais rápido e muito mais longe do que pensaríamos ser capazes. Saltamos obstáculos e distâncias que normalmente não conseguiríamos. O medo também nos prepara para o enfrentamento, de forma idêntica à ira: somos capazes de qualquer coisa para salvar nossa própria vida.
O nível de energia que temos é resultado de uma série de fatores: a motivação, a alimentação, o sono, as condições físicas etc. Um exemplo é quando jogamos uma bola na direção de um cão: ele pode apenas abanar o rabo, sem sair de seu lugar, mas ao pegar a coleira para passear, ele salta como se tivesse sido ligado em uma tomada. A motivação para passear na rua é muito maior do que a de brincar com uma bola. Da mesma forma, podemos estar na cama, prontos para dormir, mas se alguém convida para uma festa, surge do nada uma energia que nos faz trocar de roupa e, animadamente, correr para o evento. (anima em latim quer dizer justamente "energia vital").
No budismo tibetano, essa energia é chamada de Lung. Ela não vem da comida que ingerimos, ela apenas surge. São os ventos autossurgidos que se tornam veículos da nossa consciência, superando as capacidades do nosso corpo e da nossa mente. O Lung é profundamente estudado no Tantra, onde aprendemos a entender, controlar e direcionar essa energia interna, através das quatro qualidades e das seis perfeições: amor, compaixão, empatia, equanimidade, generosidade, moralidade, paz, energia constante e sabedoria. O lung, em toda a sua plenitude, é despertado quando alcançamos o estado de paz interior. Nesse momento, a energia passa a estar disponível o tempo todo para a consciência. Os meios hábeis surgem. Nos tornamos capazes de fazer e motivar as pessoas a fazer coisas simplesmente impensáveis, de modo que jamais seríamos capazes de fazer de outra forma. É o lung que faz, por exemplo, com que uma estátua de Buda com 35 metros de altura seja erguida em uma região remota do Espírito Santo, ao custo de quatro milhões de reais, algo completamente impensável para uma modesta entidade sem fins lucrativos. É o lung que faz com que o CEBB (outra entidade sem fins lucrativos) tenha dez aldeias rurais no Brasil e dezenas de salas de estudo em todas as regiões brasileiras.
É o lung que mantém as coisas vivas. O lung mantém o nosso corpo. Quando o lung se apaga, o corpo morre. Mas ele não se restringe a um corpo vivo. É assim também com tudo o que fazemos: empresas, cidades, impérios, tudo isso se mantém enquanto houver lung. No momento em que o lung termina, as empresas fecham, cidades desaparecem, impérios implodem. Uma estrela se mantém viva por bilhões de anos enquanto tiver lung para isso. Quando o lung cessa, a estrela esfria, se expande e colapsa em uma anã branca ou em um buraco negro. 
O lung está além daquilo que é manifesto. Na verdade, é o lung que faz com que as coisas se manifestem. Ele vem antes. Ele está lá, vivo, acessível, o tempo todo. A energia que temos em nossa mente é apenas uma fagulha dele. As coisas só conseguem se manifestar se tiverem lung para isso, e se mantém manifestas apenas enquanto durar o lung.
Em nossa mente, a energia é controlada (mas também influencia) as nossas emoções. É o gerente das emoções que possui a chave da energia. O gerente lógico não tem. Nosso gerente lógico aprende o caminho para o despertar, mas é o gerente das emoções que realiza o trabalho com a energia, até alcançar o estado de paz interior, quando então há o despertar da consciência. Dali em diante, é a consciência que controla a energia.




Decifrando a mente #8 - o fracassado

 


Outro ator importante dentro do estudo da mente é o Fracassado. Ele é composto por vários outros aspectos: o sabotador, o incauto, o procastinador, o porra-louca, enfim, todos os agentes que nos levam, de uma forma ou outra, a fracassar miseravelmente em qualquer empreitada.
O Fracassado tem uma origem cultural: nós somos ensinados a sermos fracassados. Aprendemos a nos auto-sabotar, a procrastinar, a começar coisas e deixar pela metade, a não finalizar corretamente, a ficar começando coisas o tempo todo sem dar sequência, a não ter persistência.
Mesmo dando continuidade aos projetos, às vezes decidimos por caminhos que acabam trazendo mais problemas do que soluções. Entramos em projetos duvidosos sem as devidas precauções. Acreditamos nas pessoas menos confiáveis. Compramos histórias mirabolantes e decidimos que podemos subir uma montanha calçando sandália de dedo.
Existe um gatilho que dispara o fracassado: a autocomiseração. Ser o coitadinho. E isso vem de berço: quando ainda estávamos engatinhando, tentávamos empilhar alguns brinquedos e, quando a pilha caía, nós chorávamos. Ao nos ver chorando, mamãe nos pegava no colo e nos acalentava. Aprendemos que o nosso fracasso gera uma reação acolhedora. Aprendemos que o fracasso nos proporciona prazer. Fracasso gera dopamina. Se eu não consigo cortar a carne, mamãe corta pra mim, então nunca vou me esforçar para aprender a cortar a carne direito, pois quero ter sempre a atenção da mamãe. Se eu não fracassar e chorar, posso conseguir fazer, mas não vou ganhar colo, e o colo é mais importante que a vitória.
Isso aconteceu lá na primeira e mais tenra infância, mas ficou gravado para o resto da vida. Fomos crescendo e, em algumas circunstâncias, isso foi continuando. Como adultos, talvez o extremo desse ator possa ser visto nas sinaleiras, mendigando: quanto pior, quanto mais mal vestido, mais sujo, mais deplorável, melhor. Mais as pessoas sentirão pena e, assim, mais dinheiro darão em forma de esmolas. A pior forma possível de fracasso é recompensada pela solidariedade, pelo sentimento de pena dos outros, ou até pela sensação de "aqui está seu dinheiro, agora suma da minha frente". As pessoas pagam para não ver a miséria. 
O Fracassado nesse caso é, geralmente, um adulto mimado em excesso. Não posso comer um chocolate, então eu choro, assim mamãe me dá o chocolate. Quando adulto, seguimos chorando e lamentando, pois aprendemos que é o caminho pelo qual conseguimos mais facilmente alguma recompensa por algo que não merecemos. Mas isso tem um custo: seremos sempre medíocres, pois nos contentamos com o prêmio de consolação. Falharemos de propósito, inconscientemente.
Claro que essa não é a única causa da pobreza, da miséria, da situação de vulnerabilidade. Estou abordando somente o fracassado profissional, aquele que aprendeu a ser fracassado de berço.
O Fracassado faz uso de várias artimanhas para jamais conseguir vencer em alguma coisa. Começa a ler um livro e não termina. Começa uma reforma que nunca tem fim. Aquela arrumação do quarto ainda tem caixas empilhadas há dois anos. As panelas ficam no fogão para serem lavadas no dia seguinte. Não dá pra passear de bicicleta pois é preciso consertar o freio, mas vou fazer isso amanhã. Estou escrevendo um artigo, mas ainda não finalizei porque acho que ainda não está bom o suficiente. Não alcancei as metas de vendas porque deixei para ligar para os clientes na última semana e não deu tempo de ligar para todos. Aquela parede ficou pintada pela metade porque eu ia terminar no dia seguinte. Comecei um negócio com um amigo (que conheci recentemente), mas ele me passou a perna e levou todo o meu dinheiro. Não posso processar meu inquilino porque não assinei contrato de aluguel. Resolvi me candidatar a vereador mas perdi, porque troquei de partido duas vezes no ano. Abri uma farmácia, mas resolvi transformar em padaria, depois em oficina de motos e agora é uma corretora de seguros, mas nada dá certo porque não persisto no mesmo ramo.
Enfim, o fracassado é um ator mental de origem cultural. Ele aprendeu a sabotar todo e qualquer empreendimento, por mais simples que seja, pois espera ter a pena das outras pessoas como recompensa. Ele interfere no nosso processo mental inserindo frases como "não vai dar certo", "nem tente", "depois faço isso" em todas as resoluções que passem pela crítica da mente. Nesse ponto, precisamos distinguir entre o fracassado e o cauteloso: ter cautela é fundamental em todos os aspectos. O cauteloso caminha, um passo de cada vez, e às vezes volta um ou dois passos para trás para continuar prosseguindo por um caminho mais seguro, mas o cauteloso não para, ele segue até conseguir alcançar seu objetivo. O problema é desistir de tudo o tempo todo, esperando que os outros sintam pena.
 






Decifrando a mente #7 - a tela mental

 



Uma função muito interessante que temos é a nossa "tela mental". Ela é um sistema de retroalimentação, quase um setor de audiovisual disponível na mente e usada por todos os atores que estamos descrevendo.

A tela mental é bastante complexa. Ela pode até criar cenários incríveis, em 3D e coloridos, como em nossos sonhos lúcidos, que podem ser tão reais que não conseguimos distinguir se estamos sonhando ou se estamos acordados. Ela é usada pelo macaco louco, pelos gerentes e até pelos estagiários do piloto automático. Também é usada pela nossa consciência e está sendo usada agora, nesse momento, enquanto você lê esse texto, pois se eu sugerir: "imagine um gramado bem verde com árvores e o mar ao fundo", você provavelmente deve ter criado e projetado essa cena em sua tela mental.

Nossa mente se retroalimenta daquilo que é projetado na tela mental através das percepções, como já vimos antes. Nós interagimos com essa projeção. Somos capazes de andar dentro dos nossos sonhos e de conversar com pessoas que só existem em nossa mente. As alucinações são distúrbios perceptivos nos quais não conseguimos distinguir se o que estamos vendo é real ou não.

As viagens astrais, sonhos lúcidos ou projeções da consciência, ocorrem integralmente dentro de nossa mente, sendo tão reais e perfeitas que acreditamos firmemente terem sido reais. Nesse ponto precisamos abrir parênteses: Nossa mente é capaz de perceber questões muito sutis, muito além da nossa percepção normal. Somos capazes de acessar informações, memórias e fatos que estão em um nível mais sutil e mais amplo, mas nossa mente tem dificuldade em entender o que está vendo e interpretar de forma correta. Dessa forma, ela cria uma projeção que procura traduzir a informação acessada dentro de alguma alegoria que conseguimos entender, que faça sentido dentro dos nossos referenciais. Então, sonhamos que estamos em uma montanha flutuando, conversando com um sábio em forma de unicórnio que nos diz uma determinada frase que parece conter toda a sabedoria do universo e, conforme vamos acordando, percebemos que nada disso faz realmente muito sentido. A questão é que talvez tenhamos mesmo acessado uma informação sutil muito importante, mas nossa mente criou todo um cenário com elementos que tentam, de alguma forma, materializar aquilo que foi percebido. Isso tudo é jogado como um filme em nossa tela mental e, depois, tentamos lembrar dos detalhes do que foi sonhado, sendo que a maior parte da informação original é perdida, pois parece simplesmente não ter nenhuma lógica.

Podemos também ter sonhos premonitórios: Nossa mente acessa uma área sutil de probabilidades e percebe que algo pode realmente acontecer. Então ela precisa de um agente que traga essa informação, alguém em quem confiamos e que consideramos ser protetores: um pai, uma mãe, um irmão mais velho, um mestre, um guru ou santo. A mente cria todo um cenário, com esse ator, interpretando um personagem nos avisando sobre o que está para acontecer. Esse sonho nos parece tão real que acreditamos realmente que essa pessoa veio até nós, que estamos mesmo falando com espíritos. Mas é tudo criação da mente, mesmo que em cima de algo sutil que realmente venha a acontecer. Aquilo que entendemos como "mediunidade" é justamente isso: acessamos de verdade uma área sutil e nossa mente cria atores e cenários que encenam essa informação. 

Ao estudarmos a mente com profundidade, vamos aprendendo a lidar com a tela mental, distinguindo melhor o que é ou não real, o que é ou não pura criação ou interpretação da mente. Vamos nos familiarizando com essa projeção e aprendendo com ela e, em um estágio bem superior, vamos entender que mesmo as projeções que são reais, na verdade, também são criações da nossa mente em cima daquilo que nossos sentidos captam. Por exemplo, quando vemos uma casa, nossa mente projeta essa mesma casa em nossa percepção, usando a tela mental. Mas não estamos realmente vendo AQUELA casa, e sim, uma projeção mental criada em cima daquela casa que nossos olhos estão enxergando. É uma casa, mas não é bem AQUELA casa. É outra coisa, é uma criação mental. Por fim, transcendemos a tela mental e entendemos que, enfim, aquela casa não é uma casa, mas é uma casa, e tudo bem. E nos divertimos com isso. O tempo todo, para tudo o que olharmos, acordados, alucinados ou dormindo.


Decifrando a mente #6 - o narrador

 


Outro ator importante da nossa mente é o narrador. Ele é quase uma extensão do macaco louco, mas tem umas funções um pouco diferentes.
Enquanto o macaco louco passa o tempo todo varrendo a memória atrás de coisas que podem ser interessantes, o narrador fica repetindo frases ou traduzindo aquilo em que pensamos.
Quando abrimos a janela e vemos um lindo sol nascente, o narrador descreve: "está um belo dia lá fora e o sol está nascendo". Ao prepararmos arroz para o almoço, o narrador lembra: "para cada porção de arroz, são duas porções de água". Quando estamos lendo algum texto, o narrador lê esse texto "em voz alta" para a gente. Aliás, um dos métodos de leitura dinâmica consiste justamente em calar o narrador enquanto lemos, afinal, nós captamos o significado do texto muito mais rápido do que nossa capacidade de "ler" o mesmo texto mentalmente.
O narrador pode também exercer funções como um tradutor para outros idiomas. Dessa forma, ao lermos as palavras "the book is on the table", ele traduz para "o livro está sobre a mesa". Como na leitura dinâmica, o aprendizado de outros idiomas também busca "calar" o narrador para que entendamos o significado do texto sem tentar traduzi-lo mentalmente.
O narrador fica lendo placas, outdoors, fica cantando músicas, enfim, ele traduz em palavras tudo o que estivermos pensando ou percebendo no momento. Isso pode ser útil quando estamos repetindo coisas para não nos esquecermos depois, mas na imensa maioria do tempo, ele apenas gasta energia mental e atrasa nosso pensamento, nossas percepções e nosso entendimento. Imagine um computador que precisa fazer um determinado cálculo e, para cada função, ele precisa parar e narrar o que está fazendo. É uma imensa energia desperdiçada sem qualquer necessidade prática.
O narrador tem suas funções no nosso dia a dia e pode até ser útil às vezes, mas, assim como o macaco louco, ele pode perfeitamente ser desligado e guardado na caixinha até o momento em que ele seja útil para alguma coisa. Se conseguirmos fazer isso, teremos liberado uma energia gigante para nosso cérebro, e não é tão difícil assim silenciá-lo. 
Quando estamos praticando shamata pura, ou zazen, o narrador fica em silêncio. Ele se cala quando estamos atentos no momento presente com a mente perceptiva. Assim, vamos aprendendo a silenciar o narrador e a acalmar o macaco louco, liberando energia para nossa consciência, como veremos nas nossas próximas postagens.