segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A beleza a cada momento

O zen budismo muitas vezes é rotulado como uma religião sem cor, sem vida, sem beleza, com uma prática austera, longos períodos de meditação de frente para uma parede branca, longos e cansativos sesshins, muito silêncio. Uma coisa sombria.

Isso está muito longe da verdade. O zen é uma filosofia lindíssima, cheia de vida, de beleza, de alegrias e de fartos sorrisos. Basta procurar no Google Images por 'praticante zen' e você verá centenas de rostos sorridentes.

Na verdade, quanto mais o praticante se entrega à prática, mais beleza ele passa a ver a seu redor. A beleza que sempre esteve lá, mas que agora ele passa a perceber. Todo o final de tarde temos um maravilhoso espetáculo muito colorido, com o entardecer escondendo o sol atrás de nuvens douradas e púrpuras. Isso é maravilhoso, acontece todos os dias, mas se não percebermos o ocaso, como poderemos apreciá-lo?

Da mesma forma, uma simples fatia de pão com manteiga e mel nos traz um indizível prazer. É uma estupenda delícia! Porém, como na maioria das vezes estamos sonâmbulos ao nos alimentar, não percebemos as nuances dos sabores deste tão simples e tão apetitoso prato. Somente se estivermos plenamente despertos durante as refeições perceberemos todos os sabores, as texturas, a temperatura da comida. E estaremos também conscientes do fato que milhares de pessoas contribuíram para que você tenha esta refeição. E como desejar ter toda a comida só para si, sabendo que houve o esforço de tantas pessoas, e que esta comida é tão boa? Não, você vai querer dividir a sua refeição com outras pessoas, outros seres, e isso torna cada refeição absolutamente maravilhosa e única.

Fazemos uma série de coisas 'chatas' de forma mecânica em nosso dia-a-dia. Escovar os dentes, tomar banho, trocar de roupa... todas essas tarefas podem esconder belezas surpreendentes que só podem ser vistas com a plena atenção no momento presente.

Sim, a prática zen é lindíssima, maravilhosa, cheia de beleza, ternura, bondade e compaixão. Cada segundo que olhamos para uma paisagem é um raríssimo quadro que, se pintado, poderia valer milhões de dólares, pois no segundo seguinte já não existiria mais. O momento presente é a coisa mais volátil e perfeita que existe. Apreciar cada momento é viver com sabedoria e beleza, e vivendo assim somos absolutamente felizes, riquíssimos e nos tornamos potencialmente úteis para toda a humanidade.

Que todos se beneficiem.


quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A rede de relacionamentos

Hoje, durante minha meditação noturna, tive um insight bem interessante.
Os nossos egos se associam com os egos das outras pessoas. É fascinante perceber e estudar estas ligações, e nosso convívio familiar é um prato cheio para esta prática.
Quando estamos conscientes, conseguimos perceber com clareza as ligações dos egos entre as pessoas. Essas ligações são complexas e chegam a criar uma espécie de "teia", uma verdadeira rede. Quando não estamos conscientes (ou seja, 99% de nosso dia), nossos egos se associam a esta teia e acabamos também enredados. Fomos fisgados, estamos presos na teia. E aí começam todos os problemas, originam-se discussões, agressões e sofrimentos de toda sorte.
Em japonês, existe uma palavra chamada TODATSU, que é uma abreviatura ao termo TOTAL DATSURAKU. O termo quer dizer algo como "todo o corpo completamente limpo e renovado", ou "a mente pura que vai além". O termo é associado à imagem de uma carpa que escapa de uma rede. Pois foi exatamente esta imagem que me veio à mente ao contemplar a miríade de associações egóicas existentes em nossa família. Uma vez que estou consciente dessas conexões egóicas, posso me tornar livre delas, não ser atingido, não ser preso na teia, e escapar desta rede como se ela não existisse, exatamente como a carpa caracterizada na palavra TODATSU.
Portanto, quando você perceber que está sendo "enredado" em uma discussão em sua família, em seu grupo de trabalho ou com seus amigos, procure tomar consciência dos egos envolvidos, das associações egóicas, da rede que se abre sobre sua cabeça. Tome a necessária distância para agir com clareza e escapar desta rede, neutralizando-a e, se possível, usando esta oportunidade para gerar benefícios às pessoas envolvidas.

Meditação Expressa: Pequenos Momentos Iluminados no dia-a-dia

Independente de qualquer religião ou filosofia, a meditação traz inúmeros benefícios para quem a pratica, estendendo-se para todas as pessoas próximas como ondas em um lago.
Ao praticar meditação por 40 minutos, todos os dias, em algumas semanas ou meses já começamos a perceber em nós mesmos algumas mudanças. As pessoas ao nosso redor também percebem e passam a comentar: "Você está mais calmo", "Você está mais feliz", "Há um brilho em seus olhos" e coisas assim.
Com a prática constante, em poucas sessões (talvez já nas primeiras) conseguimos experimentar a "mente silenciosa": por alguns instantes, a torrente de pensamentos em nosso cérebro cessa e então surge um silêncio, um momento de profunda paz.
Um pouco mais adiante, experimentamos o Samadhi, que é um momento (cerca de 5 segundos) no qual estamos plenamente presentes no aqui-agora e conscientes. Não há passado nem futuro, apenas o momento presente. Aproveitando o ensejo, certa vez imaginei como seria um RELÓGIO DE BUDA: um único ponteiro com uma única marcação: o momento presente. Pense nisso!
Com alguns meses de prática, podemos ter alguns insights, que são momentos rápidos nos quais vislumbramos a realidade, percebemos a verdadeira natureza de alguma coisa (uma flor, uma árvore, uma nuvem, um inseto, qualquer coisa) ou simplesmente descobrimos a solução para um problema. É algo como fazer 'cair a ficha'. Em um insight, geralmente pensamos: "Ah, então é isso!". Nos primeiros insights, é comum ficarmos muito sensíveis e até desatarmos em um choro profundo e incontrolável. Depois esses momentos tornam-se mais "normais", pois passamos a nos acostumar com eles.
Talvez após alguns anos de prática, o praticante tem um Kenshô, que é a visualização direta da iluminação, um estado plenamente iluminado, que dura de 20 a 30 segundos, e de indescritível bem-estar, no qual desaparece a dissociação eu-outro, ou sujeito-objeto. Tornamo-nos plenamente conscientes da unidade e interdependência de todas as coisas, a mente está sob total e absoluto controle e sentimos pela primeira vez o que é realmente a "felicidade". Entendemos o significado da palavra "interser": Passamos a SER com todos os demais seres.Todas as coisas são perfeitas como são, é um momento no qual estamos plenamente acordados e conscientes, vivendo em nossa verdadeira natureza, é a experiência do vazio, ou seja, a ausência absoluta de qualquer ego. Ao termos um Kenshô, simplesmente sabemos que a iluminação é realmente possível, pois acabamos de experimentá-la.
Após muitos e muitos anos de prática e depois de sucessivos kenshôs, então o praticante pode repentinamente despertar sua verdadeira natureza. É o Satori, a total iluminação. A partir deste momento, o praticante está totalmente livre, plenamente consciente, na mais absoluta felicidade. É o Nirvana.
Voltando ao ponto de partida, para quem está iniciando na prática, ou mesmo para quem já tem uma certa experiência, é fundamental trazermos o Samadhi para nosso dia-a-dia. Particularmente, eu programei meu celular para tocar um sinal a cada hora. Escolhi o som de um relógio-cuco. Quando o celular toca o 'cuco', qualquer pessoa pode achar até engraçado, é um som tradicional informando a batida de um relógio, uma simples mudança de hora, mas para mim este som tem um outro significado: É hora de parar um pouco, corrigir a postura, alinhar a coluna, respirar profundamente e instalar rapidamente um pequeno Samadhi. Todo o processo não demora mais de 30 segundos e é fundamental para tomar consciência de onde estou, do que estou fazendo e das pessoas que estão à minha volta. Meu serviço rende muito mais, fica mais organizado e trabalho melhor com as prioridades. Ao final do dia não estou tão desgastado, tive vários momentos 'iluminados' e conscientes durante o dia e aproveitei melhor as oportunidades. E até pelo fato de ter corrigido minha postura várias vezes durante o dia, não sinto mais tantas dores nas costas.
À noite, a meditação é mais fácil, mais profunda, mais intensa. Pego no sono mais rapidamente e meu sono é mais profundo, mais relaxante, mais restaurador. Tenho dormido menos: cerca de 5 horas são suficientes.
Tudo isso deve-se à prática de pequenos momentos de meditação durante o dia. Eu chamaria de 'meditação expressa', ao melhor estilo ocidental. Não custa nada, funciona, é prazerosa e altamente benéfica.
Experimente você também!